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A força da criação colaborativa

Utilizando o requisito da liberdade para a evolução, o software livre ganha espaço e propõe novos paradigmas de qualidade e segurança

Por Maria Clara Matos

De laranja madura na beira da estrada todo mundo desconfia. O que muitos dirão se ela for entregue em casa, lavadinha e alinhada em caixas? Tudo da melhor qualidade e sem custar nada? Se a gratuidade do chamado software livre já foi encarada como sinônimo de má qualidade e insegurança, atualmente essa ideia parece ter mudado de direção, tendo em vista a utilização desse tipo de software pelo governo federal e em grandes empresas privadas. Com o objetivo de garantir qualidade a esse tipo de tecnologia, promover treinamento de recursos humanos, entre outras atividades, a USP São Carlos está em processo de implementação de um centro de competência em software livre.

As laranjas podem se transformar nos mais diversos doces e sucos, dada a preferência do consumidor e a qualidade do cozinheiro. Assim como o software livre que pode se adequar às necessidades de seu usuário, sendo ele um bom programador.

José Carlos Maldonado, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) de São Carlos e coordenador do Projeto Qualipso no Brasil

José Carlos Maldonado, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) de São Carlos e coordenador do Projeto Qualipso no Brasil

Segundo a definição criada pela Free Software Foundation, software livre é qualquer programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído. A liberdade de tais diretrizes é central ao conceito, o qual se opõe ao conceito de software proprietário. A maneira usual de distribuição de software livre é anexar a ele uma licença de software livre, e tornar o código fonte do programa disponível.

Um dos objetivos da criação do Centro de Competência em Software Livre em São Carlos é realizar o treinamento de recursos humanos para manutenção e evolução dos softwares livres, além discutir sobre processos legais e modelos de negócio, referentes aos programas de código aberto. A implantação do centro faz parte da iniciativa do Projeto Qualipso (Quality Platform for Open Source Software), uma iniciativa da União Européia para a promoção da qualidade desse tipo de software, considerado estratégico para a inovação nos países em desenvolvimento.

José Carlos Maldonado, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) de São Carlos e coordenador do Projeto Qualipso no Brasil, explica que o centro será instalado no Parque Eco-Tecnológico Damha – um dos dois empreendimentos que constituem os Parques Tecnológicos de São Carlos, com o principal objetivo de fomentar a criação de empresas de base tecnológica – e irá operar com o apoio do Instituto Inova, responsável pela gestão do parque.

“Toda a tecnologia que for disponibilizada terá material de treinamento associado, também em conceito livre, ou seja, estará à disposição podendo ser utilizado de forma livre, sempre com uma licença associada para garantir as propriedades intelectuais de quem desenvolver”, destaca o também presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC).

Mas o centro são-carlense não será o primeiro a trabalhar de modo integrado a essa rede internacional de competência. O Instituto de Matemática e Estatística (IME) teve seu centro dedicado à pesquisa do software livre oficializado, em dezembro de 2008, e no início de 2009, iniciou seus trabalhos em conjunto com a rede Qualipso que também inaugurou unidades localizadas nas cidades de Roma (Itália), Berlim (Alemanha) e Madri (Espanha).

Segundo Fabio Kon, professor e diretor do Centro de Competência em Software Livre (CCSL) do IME, os alunos do instituto já trabalham com software de código aberto há aproximadamente 15 anos,

Fábio Kon, professor e diretor do Centro de Competência em Software Livre (CCSL) do IME

Fabio Kon, professor e diretor do Centro de Competência em Software Livre (CCSL) do IME

realizando diversificados projetos. Daí a criação de um centro com o auxílio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), apoio da Reitoria da USP e à posterior união de forças com o Qualipso.

Nesse sentido, o centro organizado no IME tem três objetivos: realizar pesquisa científica e tecnologia relacionada ao software livre, desenvolver software livre inovador e disseminar conhecimento sobre software livre. Kon considera a iniciativa de extrema importância: “Como universidade pública temos o dever de disponibilizar de forma aberta o conhecimento aqui produzido para toda a sociedade”. Outro ponto salientado pelo docente é a potencialidade do conhecimento criado de forma colaborativa, já que uma pessoa não fica escondendo informação da outra e é possível continuar a partir do ponto que outro pesquisador parou.

A questão econômica relacionada aos gastos com licenças de softwares proprietários estrangeiros também é assunto que não fica fora da discussão. Segundo Kon, esse pagamento por licenças é uma das grandes causas de déficit na balança comercial brasileira na área de software. “Muitas empresas brasileiras lucram desenvolvendo serviços em boa parte construídos em cima de plataformas de softwares proprietários. Por exemplo, uma empresa lança um software de automação de supermercados baseado em Windows e ao fazer isso ele está forçando milhares de supermercados, que utilizam o software, a comprar a licença do Windows nos EUA”, exemplifica.

Marcelo D’Elia Branco, coordenador-geral da Associação Software Livre.org e diretor-geral da Campus Party Brasil, considera a adoção e o desenvolvimento da cultura do software livre no país como a oportunidade de crescimento e reposicionamento do Brasil na esfera global.

Marcelo D’Elia Branco, coordenador-geral da Associação Software Livre.org e diretor geral da Campus Party Brasil

Marcelo D’Elia Branco, coordenador-geral da Associação Software Livre.org e diretor geral da Campus Party Brasil

Complementando a opinião de Kon, para Branco é necessário dinamizar o setor produtivo brasileiro por meio do uso incentivo da tecnologia da informação para que a sociedade brasileira funcione nessa nova forma de relacionamento em rede, deixando de lado os gastos com licenças de software privativo.

“As pessoas não vão ganhar dinheiro com o software de código aberto, mas com os serviços que podem agregar valor a ele como customização, novas aplicações e treinamentos. É uma nova forma de desenvolvimento, nova forma de business”, destaca Branco, também representante no Brasil do Projeto Morfeo. Esse é um programa semelhante ao Qualipso, que soma esforços a ele no sentido de propor a criação de uma rede de empresas e usuários com o objetivo de desenvolver modelos de negócios baseados na plataforma de software livre.

Ele ainda aponta que o Brasil é o líder mundial em acesso à internet e seus usuários ficam cerca de 22h30 mensais conectados. Somado a isso afirma: “Somos um país de pessoas generosas, colaborativas. Os brasileiros sabem usar melhor a internet que muitos países do primeiro mundo”.

2 comentários sobre “A força da criação colaborativa”

  1. A USP já disponibiliza Software Livre no projeto LINORG:
    http://www.linorg.cirp.usp.br http://www.linorg.usp.br http://www.linorg.ciagri.usp.br http://www.linorg.sc.usp.br

    Da mesma forma na UNICAMP, UNESP e diversas Universidades Estaduais e Federais.

    Além disso, muitas áreas de pesquisa utilizam SL, muitos servidores de Rede e Desktop.

  2. Alexandre Barros disse:

    Quer ver como nasce um projetinho legal? Há algum tempo acompanho xmpp4r-simple, uma biblioteca para simplificar a programação em Jabber. O autor original já está satisfeito com ela, mas diversas pessoas começaram a acrescentar coisinhas. Daí vi que tem um desenvolvedor novo que resolveu integrar as alterações dessas outras diversas pessoas e, de quebra, acrescentar toda uma área que havia sido negligenciada pelo autor original. E assim o projeto está se desenvolvendo, completamente aberto e funcional. Qual foi a última vez que você viu isso acontecer em um projeto proprietário?

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