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Cadeiras fundamentais

Com a exposição “Os Fundadores”, que abre esta semana na Livraria João Alexandre Barbosa, é resgatado um período essencial da história da USP, mostrando quais foram os primeiros professores a assumir cátedras na Universidade

Por Marcello Rollemberg

Quando as universidades foram criadas, na Idade Média, o professor detentor do conhecimento sentava-se numa cadeira de espaldar alto, em um plano elevado. Era dali que ele – o “dono do saber” – ministrava suas aulas. Foi graças a essa cadeira – cathedra, em latim – que surgiu a figura do “catedrático”, o patamar mais alto da carreira docente universitária. No Brasil essa realidade se manteve até 1968, quando uma reforma universitária eliminou a função de “professor catedrático” e colocou em seu lugar a de “professor titular”. Mas a cátedra ficou no imaginário acadêmico do País como símbolo do início das universidades brasileiras e representação do mais alto nível de conhecimento. Foi justamente pensando nessa simbologia que a Edusp organizou a exposição “Os Fundadores”, uma homenagem aos professores da primeira turma de formandos da então recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP – a célula mater da Universidade –, que ministraram aulas entre 1934 e 1937.

A mostra com características de intervenção artística abre nesta quinta-feira, dia 5, e ficará até 12 de dezembro na área externa da Livraria João Alexandre Barbosa. Ela é formada por 17 cadeiras – as cátedras de origem medieval – com 1,80 m de altura e construídas em compensado naval, cada uma delas homenageando professores “fundadores” da Universidade, num total de 34 catedráticos. São nomes como os franceses Jean Maugüé (considerado por Antonio Candido o professor mais marcante que teve na USP), Pierre Mombeig, Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss, o alemão Ernest Bresslau e os italianos Ettore Onorato e Giseuppe Ungaretti, além de brasileiros como Teodoro Ramos e Luiz Cintra do Prado. “O primeiro desafio foi estabelecer o recorte, e nos fixamos em torno da primeira turma de formandos”, explica Abílio Tavares, curador da exposição e um dos membros da comissão organizadora, ao lado do presidente da Edusp, Plinio Martins Filho, e das professoras da FFLCH Maria Arminda e Lilia Schwarcz. “A própria ideia de primeira turma já era complexa, pois na primeira turma, formada em 1936, formaram-se alunos de seis das nove subseções da faculdade. Os alunos restantes só se formaram um ano depois”, conta ele. E por que na nova livraria da Edusp? “Queremos mostrar que livraria não é só um lugar para se comprar livros, mas sim local de atividades culturais constantes”, afirma Plinio Martins Filho.

Sem medalhões – A pesquisa para a exposição, realizada no acervo do Centro de Apoio à Pesquisa em História Sérgio Buarque de Holanda, na FFLCH, resgatou uma parcela importantíssima da história da formação da USP. Por exemplo: muitos poderão sentir falta, na exposição, do nome de Roger Bastide, um dos pilares da sociologia uspiana. Explica-se: por mais que seu nome esteja vinculado diretamente à fundação da Universidade, Bastide não foi da primeira leva de professores franceses nem trabalhou com a primeira turma de formandos. Quem o fez foi outro Bastide, Paul, também da Sociologia, que ficou na USP de 1934 a 1948. Por sinal, este professor foi um dos poucos da primeira leva a permanecer em São Paulo: dos seis primeiros professores gauleses, quatro voltaram para a França ao fim de 1934. Voltando a Roger Bastide: ele só chegou a São Paulo em 1938, vindo substituir Claude Lévi-Strauss.

Monbeig e Braudel na mostra da Edusp: fundadores não só de uma universidade, mas também de formas de pensar

Monbeig e Braudel na mostra da Edusp: fundadores não só de uma universidade, mas também de formas de pensar

A própria vinda de Lévi-Strauss para estes tristes trópicos encerra uma história curiosa. O professor Teodoro Ramos, originalmente da Escola Politécnica e primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, foi o responsável pela contratação dos professores estrangeiros. E ele tinha uma missão adicional: não contratar “medalhões”, ou seja, professores consagrados, mas principalmente jovens que estivessem dispostos a vir criar uma universidade num país distante e exótico como devia ser o Brasil naqueles também distantes anos 30. Por isso vieram, por exemplo, Lévi-Strauss, com 26 anos – e até então professor de ensino secundário na França – o português Francisco Rebelo Gonçalves (para a cadeira de Filologia Portuguesa), com 27, e Fernand Braudel, com 32. “Havia tudo por se fazer, desde a conceituação das aulas até a preocupação física de criação de laboratórios e bibliotecas”, lembra Abílio Tavares. As próprias aulas eram um caso à parte: os cursos duravam em média três anos e havia uma média de apenas duas disciplinas por semestre – mas antes que alguém fique com inveja, é bom lembrar que as matérias eram estudadas numa profundidade digna de pré-sal.

Geopolítica da educação – Outra coisa que a pesquisa realizada para a mostra revelou foi a preocupação dos professores recém-chegados com seus afazeres cotidianos e com o futuro de suas aulas. Na exposição, junto à foto e a uma pequena biografia de cada “fundador”, haverá também uma frase escrita por eles, pinçada dos relatórios que os novos catedráticos fizeram para os anuários iniciais da USP. Ali se pode ver como eles se preocupavam com a disciplina que ministravam, como deveriam se comportar, como deveria ser um determinado laboratório e, no caso do professor de História da Civilização Brasileira Paul Vanorden Shaw – que, apesar do nome, era paulistano –, como deveria ser uma “aula-modelo” (veja box). “Eles fizeram um belo painel da realidade que encontraram”, afirma Tavares.

São curiosidades que resgatam a história da Universidade, sua identidade seminal e sua trajetória, além de apresentar uma interessante visão da geopolítica da educação naquela época, por assim dizer. Os principais nomes estrangeiros a lecionar inicialmente na USP eram franceses, italianos e alemães. Mas é bom lembrar: nessa época, a Alemanha vivia o começo do jugo do nazismo e a Itália já vinha havia mais de uma década convivendo com o histrionismo fascista de Mussolini. Só a França era uma democracia, distante ainda do governo de Vichy. Talvez justamente por isso, as disciplinas de humanidades foram dadas principalmente a professores franceses. Já as de ciências – exatas e naturais –, menos (acreditava-se) voltadas para a formação reflexiva e ideológica do aluno, foram entregues a alemães e italianos.

Exposição “Os Fundadores”. Área externa da Livraria João Alexandre Barbosa, av. Prof. Luciano Gualberto, Trav. J. Abertura dia 5/11, às 18h. Até o dia 12/12.

A aula perfeita, por Shaw

“Uma aula modelo: esta aula dá-se no escritório do professor, onde ele tem a sua biblioteca particular, a sua mesa de trabalho, máquina de escrever, dez cadeiras confortáveis e macias, e onde há uma atmosfera de informalidade. Ao mesmo tempo, a sala deve dar a impressão de ser um local de meditação e produção intelectual. Os alunos entram, dispõem-se indiferentemente nas cadeiras, e se for permitido que fumem, acendem os seus cigarros ou cachimbos.”

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