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O (des)estímulo ao esporte no Brasil

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Lesão medular e o desafio da medicina

 

Por Giovanna Gheller
Para o professor e comunicadorAry Rocco, “à medida que oBrasil for tendo uma boa ou máperformance nas competições, atorcida começa a ir junto ou não”

Para o professor e comunicador Ary Rocco, “à medida que o Brasil for tendo uma boa ou má performance nas competições, a torcida começa a ir junto ou não ”começa a ir junto ou não”

 

O País ainda é incapaz de promover, por meio de políticas públicas, a manutenção do atleta e o interesse pela atividade esportivo
Por Giovanna Gheller

 

O Mundial de Futebol da Fifa tem início neste mês no Brasil, e daqui a quatro anos será a vez dos Jogos Olímpicos na capital carioca. Apesar da ansiedade de

muitos para o início dos eventos, durante todo o período que os antecede, alguns atletas brasileiros custam a conseguir se manter e, inclusive, a adentrar na atividade esportiva. Mesmo com tudo isso, será que a Copa do Mundo, e depois os Jogos Olímpicos, serão suficientemente vigorosos para, pelo menos, atrair mais gente para os esportes?

 

O professor Ary Rocco Júnior, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), acredita que a Copa do Mundo atraia muito a atenção das pessoas por estar acontecendo no Brasil e, mais ainda, por envolver a grande paixão esportiva do brasileiro. Mas admite haver certa rejeição ligada ao fato de acontecer aqui.

 

A psicóloga e professora também da EEFE Katia Rubio, membro da Academia Olímpica Brasileira, crê que o País vive um momento de impasse a ser decidido depois da copa. Ela relembra que, tanto o Brasil quanto o Rio de Janeiro foram escolhidos como sedes sem que houvesse participação da população no entendimento e na construção desses eventos.

 

Também da EEFE, o professor Valdir Barbanti, preparador físico da seleção brasileira masculina de basquete no fim dos anos 1980, acredita que haverá, sim,  legado econômico, social e cultural. “Apesar de eu achar que o futebol brasileiro, em especial, está em baixa, ele vai ser visto pelo mundo. O esporte vai lucrar com essa exposição. Hoje só não é tanto motivo de orgulho quanto já foi antigamente porque o poderio econômico dos outros países atrai nossos jogadores de forma que, quando ele desponta aqui, já vai embora.”

 

Sobre isso, inclusive, Rocco tem observado que, para muita gente, a seleção brasileira de futebol não identifica mais o Brasil. Até a um tempo, boa parte dos jogadores brasileiros atuavam no País. O que acontece com a seleção nacional hoje: alguns jogadores que foram convocados quase não jogaram no Brasil, sendo completos desconhecidos do nosso público. “Isso, para mim, faz com que haja um distanciamento entre a seleção e a torcida. A seleção brasileira não representa mais esportivamente o Brasil.”, diz.

 

Como explica Rocco, a partir dos anos 1990, com a transformação do esporte de uma forma geral em um grande negócio, a classe média deixou de ver a profissão como uma “coisa de desocupado”. E aí começou a surgir um grande número de escolinhas de futebol. Hoje há muita gente, inclusive dessa classe média, que enxerga ser jogador de futebol como uma possibilidade de subsistência.

 

“O interesse da molecada pela modalidade continua intenso. O que mudou foi a forma como ele se manifesta”, explica o professor. Antigamente, as crianças que tinham interesse por futebol iam assistir às partidas ou iam jogar. Hoje, tem-se contato com o futebol pelo videogame. “Existe muita gente que não joga bola, mas joga videogame. De alguma forma, elas estão tendo muito contato com o futebol. Podem não praticá-lo, exatamente, mas se interessam.”

 

O fomento de fato

Rocco ainda acredita que os Jogos Olímpicos ofereçam uma possibilidade muito maior de fomentar a prática esportiva do que o evento Copa do Mundo. “Porque

A professora e psicóloga KatiaRubio acredita que, “se nãohá uma política pública dedisseminação do esporte, apessoa que sonha em seratleta não o será”

A professora e psicóloga Katia Rubio acredita que, “se não há uma política pública de disseminação do esporte, a pessoa que sonha em ser atleta não o será”

o futebol já está muito incorporado na nossa cultura. As pessoas, de alguma forma, já assistem ou praticam, fazem a ‘pelada’ de fim de semana, jogam no Playstation, se reúnem para assistir”, diz.

 

Agora, sobre os Jogos Olímpicos, quando o Brasil vai muito bem em determinada modalidade, ou há um atleta que se destaque nela, é conferido o poder de, pelo menos momentaneamente, atrair um grande número de pessoas interessadas em praticar aquela modalidade.

 

Barbanti relembra que, em todo ano em que aparece um modelo ou time que se destaque, aumenta o número de praticantes dessa modalidade. “Em 1984, o hoje ex-meio-fundista Joaquim Cruz foi campeão nos 800 metros na Olimpíada de Los Angeles. Aqui no Brasil, quando houve uma competição de atletismo, todos queriam correr 800 metros, porque tínhamos um brasileiro campeão olímpico nisso”, diz. “O modelo é interessante porque atrai. E o esporte é ótimo para isso.”

 

Mas “um grande problema é que, no Brasil, a gente não consegue manter e segurar essas pessoas. O que vai acontecer depois dos jogos é que, dependendo das

modalidades em que o Brasil obtiver sucesso, pode haver um interesse maior em determinado momento, mas depois tudo volta ao normal”, diz Rocco. “Não fazemos um planejamento adequado para aproveitar esses bons momentos de determinadas modalidades.”

 

Administração de políticas e projetos sociais

Para Rocco, um projeto social em esporte, para dar errado, precisa ser ou mal gerenciado, ou as pessoas que estiverem por trás dele, mal-intencionadas. “Quando

as pessoas envolvidas têm interesse na inclusão social e na sociedade, não tem como um projeto envolvendo esporte não ser bem-sucedido.”

 

“Se não há uma política pública de disseminação do esporte, a pessoa que sonha em ser atleta não o será”, complementa Katia. E, para os professores e

“O modelo é interessante porque atrai. E o esporte é ótimo para isso”, diz o professor Valdir Barbanti

“O modelo é interessante porque atrai. E o esporte é ótimo para isso”, diz o professor Valdir Barbanti

especialistas, hoje o País realmente não tem uma política de esporte. “Nós não temos, nas esferas municipal, estadual e federal, uma regulamentação de esporte clara que estimule as empresas a direcionar investimentos para a educação, inclusão ou para o próprio rendimento. E aí você deixa isso para o mercado. O que interessa a uma empresa privada dentro da lógica de mercado? Ela vai investir onde der retorno para ela, que é o rendimento”, elucida Rocco. Só que não se pode esquecer que o atleta não se forma no rendimento; ele vem se construindo lá atrás.

 

O professor ainda diz: “O que me parece, especialmente em relação aos Jogos Olímpicos, é que estamos perdendo a oportunidade de, a partir disso, desenvolver uma política de esportes no País. A gente pode ter pontualmente o interesse maior por uma modalidade porque um atleta ganhou medalha de ouro, mas esse interesse tende a se perder, quando a gente poderia aproveitar o momento em que só se fala de esporte no Brasil”.

 

Hoje, quem tem uma mínima chance de alguma coisa, tem que ir para um clube privado. Inclusive, segundo Katia Rubio, estamos vivendo um fenômeno muito curioso, “pois os pais enxergam ou imaginam que seu filho vai ser um Neymar e ficar rico, e despejam-no em uma escolinha de futebol, investem para que ele vire um craque. E o moleque só quer ficar em casa jogando videogame”. De acordo com ela, esse é o perfil de garotos de classe média. Os mais humildes ainda estão jogando na periferia. “Se eles tiverem sorte de serem vistos por algum olheiro que os leve para a escolinha com bolsa, eles têm chance de dar certo.”

 

Katia acredita que o que falta justamente ao esporte brasileiro é uma política de Estado, “porque cada governo que entra faz um projeto de esporte diferente, e isso não tem continuidade. Termina o governo, volta ao zero”.

 

Vale investir?

Ary Rocco diz acreditar muito no potencial do esporte de socialização, e exemplifica como modelo bem-sucedido a escolinha do Barcelona. O clube espanhol tem uma escola para a qual são levados jogadores de 12, 13 anos de todas as partes do mundo. A criança vai treinar, vai ter futebol, vai ser preparado para ser um jogador, mas também vai ter aulas fora do momento em que não estiver treinando. Na realidade, ela fica mais dentro da sala de aula do que treinando futebol. Aí, quando chega mais ou menos aos 19 anos, o clube vai ver se o jogador tem condições de ser aproveitado ou não. E dados mostram que, dentre todos os que passam pela escola do Barcelona, são aproveitados 15%. Outros 25% vão ser jogadores em outros clubes da Europa, e quase 60% não vão ser jogadores, mas têm  valores e conhecimentos suficientes para se inserirem no mercado de trabalho. “Ou seja, de alguma forma, os valores do esporte acabam dando possibilidades para a vida toda. Eu acho que se tivéssemos uma política concreta de esportes, que aproveitasse todos os benefícios que ele oferece, a gente prepararia as pessoas não só para serem atletas, mas para serem indivíduos melhores dentro da sociedade. E aí, se o camarada tiver talento, ele vai mesmo ser atleta”, diz o professor.
Muitas crianças sonham em ser jogadores de futebol porque, sob forte influência midiática, aquilo representa fama, sucesso, dinheiro, mulheres, jatinhos e carrões. Não mais necessariamente porque é aquilo que elas gostam de fazer.  O objetivo principal, para os especialistas, não deveria ser formar atletas de alto rendimento, porque são minoria. Mas eles acreditam que o País ainda não ofereça as condições adequadas para o desenvolvimento do cidadão.

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