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Artista multimídia norte-americana expõe sua primeira retrospectiva no País
Por Isadora Martins
O diálogo entre indivíduo e metrópole não apenas se comunica. Se sente. Ao menos é assim que a norte-americana Laurie Anderson concebe a relação ser e cidade. Exemplo é a emblemática obra Handphone Table, na qual histórias urbanas são transmitidas por vibração sonora. O espectador, ao entrar em contato com uma mesa instalada no centro do espaço, tapa os ouvidos e sente vibrar através do corpo o som transmitido pela voz doce de Laurie. É tal noção intrínseca de um no outro que o visitante encontra na mostra retrospectiva “I in U/ Eu em Tu”, elaborada especialmente para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). São 31 obras, algumas inéditas, entre instalações, fotografias, desenhos, vídeos, músicas e documentações de performances, bem como um conjunto de 19 filmes.
Segundo o curador Marcello Dantas, “Laurie Anderson é a artista para quem a expressão multimídia foi criada, nos anos 1970, em Nova York. Suas obras, espetáculos, performances, livros, filmes, vídeos, instalaçōes e poemas definiram a linguagem que foi seguida durante as últimas quatro décadas por artistas de todo o mundo. Ela é uma artista seminal, que abriu a fronteira de possibilidades para que todo um espectro de expressão fosse aceito”.
O conjunto da obra de Laurie nunca foi exibido no Brasil – até agora. Apenas duas de suas performances foram apresentadas aqui: Talk Normal em 1989, no Rio de Janeiro, e Homeland em 2008, em São Paulo. Em “I in U”, o notório aspecto conceitual da trajetória da autora se mescla à sua capacidade de criar experiências sensorialmente fortes. É o que se observa em seus trabalhos tridimensionais como Talking Pillow, um travesseiro que revela os sonhos, Wind Book, um livro que vira as páginas sozinho e não se consegue ler, e Listening Wall, no qual o público se recosta sobre uma mureta para escutar o que as paredes falam.
Laurie ficou conhecida pela música, ainda que seja a própria personificação de “arte experimental”. Tornou-se figura pop com o grande sucesso da canção O Superman, em 1981. Seu último álbum, Homeland, foi lançado este ano. Cantora, compositora e violinista desde a infância, formou-se em história da arte. “Enquanto estudante, no início dos anos 1970, eu fazia esculturas com jornais e resina. Logo passei a compor performances e, gradualmente, música. Eu integrava a cena underground de Nova York, que incluía bailarinos, escritores, escultores e pintores. Meus parceiros eram nomes como Philip Glass, Trisha Brown, Gene Highstein, Gordon Matta Clark, Bob Wilson, e nós tínhamos certeza que éramos pioneiros não só de uma nova arte, mas também de uma nova maneira de viver e trabalhar”, relembra ela.
Como não poderia deixar de ser, a música é matéria de algumas das peças encontradas no subsolo do centro cultural, onde instrumentos musicais ganham vida: um violino se toca sozinho (Self Playing Violin), os óculos que ouvem os dentes, entre outros.
A exposição reúne também outros espaços dedicados à produção audiovisual e musical de Laurie Anderson, incluindo todos os seus longas-metragens de cinema, curtas, clipes e intervenções na televisão. A instalação Delusion é uma das obras inéditas da mostra. Localizada no segundo andar, foi concebida como uma série de curtas peças de mistério, oscilando entre o dia a dia e o mítico. Combinando violino, manipulação eletrônica de fantoches, música e elementos visuais, a instalação conta a sua história na linguagem colorida e poética que se tornou marca da artista. Inspirada na liberalidade de Balzac, Ozu e Laurence Sterne, e utilizando-se de uma série de vozes alteradas e convidados imaginários, a artista conta uma complexa história sobre desejo, memória e identidade.
No coração de Delusion está o prazer da linguagem e um terror de o mundo ser feito inteiramente de palavras. No coração – ao menos, na criação – de Laurie, estão preocupações mundanas, políticas e conceituais da contemporaneidade que a artista faz ouvir e ver em seus trabalhos e experiências intimistas. Aparentemente em atmosferas surreais, as obras de Laurie falam ao público de maneira simples. “É uma mostra sobre histórias”, atesta.
“I in U/ Eu em Tu”, de Laurie Anderson, fica em cartaz até 26 de dezembro, de terça a domingo, das 10h às 20, no CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651). Grátis.