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Histórias que dão um filme

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Tese de doutorado defendida na ECA revela que a educação audiovisual popular pode mudar vidas e sua pedagogia, os rumos da educação formal

Por Isabela Morais

“João Carlos – jovem negro de Cidade Tiradentes, 20 anos de idade – trabalhava em um bar auxiliando a mãe e, do alto de seus 2,10m, atuava também como segurança em eventos…”

A cineasta Moira Toledo Dias Guerra Cirello defendeu, em 2010, na Escola de Comunicações e Artes (ECA) a tese de doutorado “Educação Audiovisual Popular no Brasil: Panorama, 1990-2009”. Seu objeto de estudo foram 113 ações populares que ensinam técnicas audiovisuais à população de baixa renda. As histórias de Moira e de João Carlos se entrelaçam, mas começam muito antes de 2010.

“Nunca me realizei completamente como diretora. Um comunismo juvenil me movia no sentido de atuar em algo que pudesse ter um impacto de transformação na sociedade”, conta. Em 2001, pouco antes de se formar em Cinema pela Faap e após ministrar uma oficina, Moira se apaixonou pelo ato de ensinar. “Percebi que havia algo de especial no ensino de audiovisual, especialmente quando feito de modo artesanal: que quando ensinado de maneira democrática era um instrumento fantástico para gerar transformações profundas na vida dos alunos.”

“O jovem conhecido como JC, quando viu um anúncio das Oficinas Kinoforum de Cinema e Vídeo, não teve dúvidas: iria inscrever-se – segundo ele – certo de que o mercado de conserto de videocassete poderia ser um caminho…”

Trabalhando na área de 2001 a 2006, como educadora ou como coordenadora pedagógica, inclusive nas Oficinas Kinoforum da qual JC participou em 2002, Moira viu vidas mudarem. Sua primeira observação foi que as oficinas de criação audiovisual proporcionavam mudanças no desenvolvimento pessoal dos alunos: os tímidos se soltavam, novas formas de inteligência eram valorizadas e as críticas passavam a ser acolhidas de maneira respeitosa. Moira completa: “uma oficina ajudava os alunos a aprender a aprender, metaeducar e auxiliavam o aluno a construir ferramentas e percursos pessoais de aprendizado”.

“Apesar do fascínio com a natureza inesperada da oficina – que era de produção de vídeos e não de conserto de cassetes – JC ficou um pouco decepcionado: não entendia muito bem como era possível gravar imagens fora de ordem e achava que o filme não ficaria como ele imaginara…”

Em 2004, a cineasta que gostava de ser educadora passou a coordenar a seção KinoOikos Formação do Olhar do Festival de Curtas-Metragens de São Paulo, numa realização da Associação Cultural Kinoforum. A seção era responsável pelos filmes realizados em oficinas e coletivos independentes. Por isso, praticamente toda essa produção era vista por Moira antes de integrar o Festival. A oficina da qual JC participou faz parte das atividades da Kinoforum. É aí que as histórias de Moira e João Carlos se cruzam.

Em palestras com os coordenadores e educadores desses projetos, percebeu que eles desenvolviam trabalhos similares, com inteligência social, mas o faziam de maneira isolada. Coincidência? Segundo Moira, não. “O fato é que não existem, ainda, grandes referências bibliográficas voltadas a quem atua na área. Assim ela é formada por gente de todo o tipo: cada um com seu background, mas com uma similaridade de visão de mundo. Quando essas pessoas vão procurar referências, acabam na pedagogia e, muitas vezes, em Paulo Freire, e autores de tendência correlata, notadamente chamados de democráticos ou libertários. Ou seja, a educação audiovisual no Brasil possui uma abordagem pedagógica de vanguarda, extremamente afinada com os avanços da educação no mundo e na literatura pedagógica”, ela conclui.

“Quando o educador de montagem começou o processo de edição, JC ficou estarrecido: o sentido era construído no diálogo entre as imagens! Foi amor à primeira vista: era aquilo que queria fazer de sua vida…”

Em 2006, Moira decidiu estudar o tema em seu doutorado, que afinal também era o tema de sua vida. A partir da experiência como coordenadora da KinoOikos, ela teve acesso às entidades que desenvolviam projetos de educação audiovisual no Brasil. De 1990 a 2009, 113 entidades produziram 3.300 filmes e formaram cerca de 26 mil jovens. Entre eles, JC.

Segundo Esther Império Hamburger, orientadora da tese, a importância do estudo está na sistematização e na atualidade do tema e seus reflexos, além do meio acadêmico se refletem principalmente no meio social. Além de servir como parâmetro para as próprias oficinas, a sistematização se torna instrumento para melhor avaliar os subsídios de políticas públicas para a área. Esther completa: “Num país em que a televisão é muito importante, não é de se espantar uma carência de conhecimento das técnicas audiovisuais. Essas oficinas, então, surgem para democratizar e estabelecer um direito de cidadania que é a alfabetização audiovisual”.

“JC  casou-se com Kelly, teve um filho e produziu vídeos com a esposa. Fundou a Filmagens Periféricas, um dos mais significativos coletivos independentes do país, ainda em funcionamento (…) Continua residindo em Cidade Tiradentes, mas passou a circular por diferentes ambientes, conheceu pessoas de diferentes classes sociais e vivencia um novo padrão de vida.”

* Os trechos que narram a trajetória de João Carlos seriam parte do prefácio não publicado da tese de Moira e que foram concedidos por ela à revista Espaço Aberto.

Um comentário sobre “Histórias que dão um filme”

  1. Belíssimo trabalho! Merece uma ampla divulgação , não só do ponto de vista acadêmico,mas sobretudo pela informação relevante que revela sobre as oportunidades de transformação da sociedade,por meios que não somente a educaçã formal.

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