Cinema

O cinema do real

 

O contestado - Restos Mortais, de Sylvio Back

Começa o Festival É Tudo Verdade, que exibe 71 filmes e homenageia o francês Alain Cavalier e o brasileiro Benedito Junqueira Duarte

Por Isadora Martins

A ficção quer falar; o documentário, ouvir. É a ânsia deste último por colocar em relevo a vivência de sujeitos reais que perpassa as telas do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, que dá início à sua 15 ª edição nesta quinta, em diversas salas da capital. Diferentemente do ano passado, quando a mostra foi dividida em duas fases, o festival acontece agora como grande evento apenas uma vez. Ainda serão organizadas projeções mensais de documentários inéditos e clássicos em São Paulo e no Rio de Janeiro. “A fórmula de estender a experiência durante o ano foi aperfeiçoada”, explica o fundador e curador Amir Labaki, “de modo que o novo modelo garante uma presença maior do documentário e do É Tudo Verdade no cotidiano do público”.Ao todo serão 71 filmes de 27 países. No caso da produção internacional, Labaki ressalta que “a guinada despolitizadora a partir dos ataques de 11 de setembro parece refluir, em favor de uma nova diversidade e da recuperação de uma vertente mais intimista”. Os títulos nacionais, porém, refletem o novo patamar de complexidade a que chegou a trajetória dos documentários brasileiros, sempre calcada na marca e no desejo de desvendar outro país – mais profundo do que aquele mostrado pela experiência de massa televisiva. O curador e crítico enxerga um momento de renovação: “Tanto a produção mais tradicional se sofisticou, buscando estratégias narrativas mais sedutoras para o público, como cresceu e revigorou-se o documentário brasileiro formalmente mais inquieto”.

Mãos de Outubro, de Vitor Souza Lima

Paralelamente ao festival, o Cinusp Paulo Emilio e a Cinemateca Brasileira apresentam a 10ª edição da Conferência Internacional do Documentário, na próxima semana, entre os dias 14 e 16 de abril.

Releituras – Os aspectos mais políticos e rurais conferem o tom dos selecionados para a competição nacional. “A maioria dos cineastas participa pela primeira vez do Festival, o que representa uma responsabilidade maior – e um saudável sinal de renovação”, atesta o organizador. Na sessão de abertura, Uma Noite em 67, primeira direção da dupla Renato Terra e Ricardo Calil, resgata a final do 3º Festival de Música Popular, promovido e exibido pela TV Record, que para os autores, “pode ser considerado o epicentro de um movimento que originou a MPB e reverbera até hoje”.
Destaque também para No Meio do Rio, Entre as Árvores, novo filme de Jorge Bodanzky, resultado de uma expedição ao Alto Solimões, na Amazônia – com realização de oficinas de circo, fotografia e vídeo nas comunidades ribeirinhas –, que mostra as cicatrizes deixadas pela exploração econômica predatória nesse mundo de ampla beleza. O mais interessante é que a execução do longa teve a ajuda dos habitantes, atestando as possibilidades da era digital que permite a participação efetiva do “outro” na construção de sua imagem.
Entre as demais obras brasileiras estão O Contestado – Restos Mortais, que marca o retorno do diretor Sylvio Back ao gênero, e Manual Prático de como Ter Sucesso na Política Brasileira, de Felipe Lacerda, que investiga as estratégias usadas por políticos brasileiros para permanecer no poder e traz uma importante contribuição em ano de eleições presidenciais. A competição nacional de curtas exibe Xetá, de Fernando Severo, sobre o processo de colonização do noroeste do Paraná; Mãos de Outubro, de Vitor Souza Lima, acerca de uma das maiores festas religiosas no Paraná; e Karl Max Way, de Flávia Guerra e Maurício Osaki, que narra a história de um motoboy brasileiro em Londres.
Dos sete títulos do ciclo informativo O Estado das Coisas destacam-se os brasileiros Doce Brasil Holandês, de Mônica Schmiedt, e Sobre Rios e Córregos, de Camilo Tavares, bem como a produção holandesa Separações, codirigida por Mieke Bal, e que discute a opção pela vida longe do país da cineasta Andréa Selligman. Já a sessão O Foco Latino-Americano traz produções do Chile, Colômbia, México e Peru.

Uma noite em 67

Na programação dos internacionais, o festival recebe pela primeira vez o cineasta israelense Yoav Shamir, com seu mais recente filme, Defamation. A cineasta portuguesa Susana de Souza Dias apresenta 48, que acaba de ganhar o Grande Prêmio Do Festival Cinéma Du Réel, em Paris, e o dinamarquês Anders Ostergaard retorna ao festival com VJs de Mianmar, um dos cinco finalistas ao Oscar deste ano. Ainda em destaque, Brudus, da realizadora brasileira radicada nos EUA Júlia Bacha; Notas sobre o Ouro, de Sérgio Oksman; a premiére nacional de Capitalismo – Uma História de Amor, do conhecido norte-americano Michael Moore; e Ruhr, dirigido pelo documentarista experimental, James Benning.

No meio do rio entre as árvores 2

Tradicionalmente, também são realizadas duas homenagens: ao documentarista minimalista francês Alain Cavalier, que está às vésperas e completar 80 anos, exibindo curtas e longas-metragens de sua autoria, realizados entre 1978 e 2009; e ao crítico, cineasta e fotógrafo brasileiro Benedito Junqueira Duarte, comemorando o centenário de seu nascimento, um dos pioneiros a registrar as transformações da cidade paulistana na primeira metade do século 20 que, nas palavras de Labaki, “merece ser redescoberto pelas novas gerações”.
O Festival É Tudo Verdade começa nesta quinta e vai até 18 de abril, no Espaço Unibanco de Cinema, Centro Cultural Banco do Brasil, Cinemateca Brasileira, Reserva Cultural, Cinusp e Cinemark Eldorado. A programação completa está em www.etudoverdade.com.br. A entrada é gratuita.
A Cinemateca apresenta também, de 14 a 16 de abril, a 10ª Conferência Internacional do Documentário com o tema Filme vira Filme. Pesquisadores e realizadores vão debater o documentário desenvolvido a partir de imagens (e sons) de arquivo que, revisitados através da montagem, criam novos significados. Não por acaso o assunto surge no ano de celebração do centenário de nascimento de Jay Leyda, pioneiro na difusão do cinema e dos escritos de Sergei Eisenstein. É também autor do estudo Films Beget Films, de 1964, que batizou de “filme de compilação”, insatisfeito com a confusa definição “filmes de arquivo”, e que inspirou a conferência deste ano. Na abertura da programação, dia 14, às 14h30, será debatido o Panorama Contemporâneo do Documentário de Arquivo, com participação de Michael Renov, diretor associado da School of Cinematic Arts – University of Southern California, e do crítico de cinema e organizador do festival e da conferência Amir Labaki, com mediação de Maria Dora Mourão, professora e vice-diretora da ECA/USP, também organizadora da conferência. No dia 15 são duas mesas, respectivamente, às 10h e 14h30: Duas Experiências: o uso de imagens de arquivos e a construção de sentidos, com os cineastas Eduardo Escorel e Susana de Souza Dias, mediados por Esther Hamburger (ECA/USP); e O Documentário de Arquivo na América Latina, com Susana Foxley Tapia, diretora e roteirista, com mestrado pela Universidade de Londres, e Gregorio Carlos Rocha Valverde, realizador e produtor independente mexicano, mediados por Eduardo Moretin (ECA/USP). E encerrando, no dia 16, às 10h, o tema é Rememorando Jay Leyda: uma homenagem no centenário de seu nascimento, com Bill Nichols, professor de Cinema da San Francisco State University, e João Luiz Vieira, professor do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, com mediação de Ismail Xavier (ECA/USP).

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