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O Tusp promove a sexta edição da Mostra Experimentos, que apresenta cerca de 20 estudos teatrais de quatro escolas, abrindo a discussão para o público e a comunidade artística
Por Luiza Furquim
Universidade e cidade são um contínuo: o que se faz cá repercute lá e vice-versa. É certo que sempre existiu, entre um e outro espaço e desde que as escolas de formação teatral surgiram, uma tensão – por vezes até antagonismo – entre teoria e prática. É aqui que entra o Tusp (Teatro da USP), em sua função de polo gerador de cultura e reflexão. Na sexta edição de sua Mostra Experimentos, que vai até 4 de maio, quatro escolas do Estado sobem no mesmo palco para mostrar que essa dicotomia pode ser superada e que o par teoria-prática é, longe de conflitante, complementar.
É o caso das escolas participantes da mostra, que produziram artistas dando continuidade às suas experimentações ou tiveram professores atuantes no circuito da cidade: do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da USP saiu Antônio Araújo, do Teatro da Vertigem; no Instituto de Artes da Unicamp formou-se o grupo Os Fofos Encenam, cuja peça Memória da Cana é uma das mais comentadas atualmente, dentre as que estão em cartaz; pela Escola Livre de Teatro (ELT) passou Georgette Fadel (também formada na USP), atuante como atriz e diretora em espetáculos como Rainhas(s) – Duas Atrizes em Busca de um Coração; e a Fundação das Artes de São Caetano do Sul (Fascs), apesar de menos conhecida, teve em seu corpo docente nomes como Eugênio Kusnet, Seme Lutfi e Dionisio Amadi.
O Tusp busca fazer a articulação entre a produção urbana e acadêmica e promover o diálogo entre as diferentes escolas, que têm perfis e propostas pedagógicas diversas. A USP tem múltiplas habilitações, a Unicamp prioriza a formação do ator e a ELT mostra engajamento político, mas todas investem na formação humanística. “Está todo mundo no mesmo barco”, afirma René Piazentin, orientador de arte dramática do Tusp. “A mostra é um lugar em que você pode se reconhecer no outro.” Para ele, a função da diferença é “alimentar”. Pensando nisso, toda segunda, depois de uma apresentação, haverá debate com membros dos grupos e convidados.
O coletivo e a rua – Não é tanto o embate entre comercial e experimental que move o teatro contemporâneo. Uma das discussões mais atuais fala sobre criação coletiva e processos colaborativos. O tema ganhou força na década de 60, quando a situação política do País provocou nos artistas o desejo de democratizar as funções do teatro. Os processos colaborativos, cada vez mais comuns, abrem espaço para os atores-criadores, que opinam em todo o processo criativo, da indumentária ao cenário, mas ainda com presença de um diretor, que organiza o material levantado pela equipe. É o caso dos exercícios cênicos – a mostra não exibe peças, apenas trabalhos em processo de desenvolvimento – Sobre Esta Cidade, da USP, concebido por cinco alunos a partir do livro Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, que mostra quatro viajantes que embarcam sozinhos em uma jornada de transformação radical; e Dias de Campo Belo, da ELT, uma viagem interior pelas memórias e sonhos de personagens masculinos que tentam voltar às suas raízes e reafirmar pactos; além do ensaio Curral, também da ELT, livremente inspirado em Asfalto Selvagem, de Nelson Rodrigues, em que pai, filha e narrador estão presos dentro de um curral e escancaram a podridão de uma família; e do estudo O Que
Não Disseram, da Fascs, que pretende discutir o indivíduo moderno e suas inquietações.
O segundo caso, de criação coletiva, reflete uma expectativa radical de democratização. O conjunto do grupo é responsável por todo o processo criativo, sem funções definidas. Ainda que esse formato seja mais complexo e incomum, “a tendência é que as funções se escutem”, explica Piazentin. “Seria um desperdício não criar uma situação criativa em que o grupo apresente possibilidades”, diz. O ator já não é apenas um executor, mas alguém que pensa o teatro para além de uma função específica.
O estudo Manual para Produzir Mancúspias, da USP, levanta a temática do teatro de rua. É nesse espaço que o público será conduzido pelos atores a seguir a Parada das Mancúspias, mesmo sem nada saber sobre quem são, de onde vieram e para onde vão. Esse tipo de estudo é pensado como intervenção e propõe uma série de novos desafios aos coletivos. Se, explica Piazentin, no teatro convencional “já existe uma relação convencionada: eu sou o público e eles, os atores”, na rua o espectador é muito diverso e o espetáculo “se transforma em função do público”.
O exercício cênico De Solados, da ELT, também segue essa linha, além de ter criado texto e composições em processo colaborativo. A peça-musical narra a história de um grupo de viajantes que atravessa um deserto e, para isso, passaram 20 anos desenvolvendo calçados especiais que serão roubados pouco antes da chegada de um mercador de sapatos, provocando alerta geral. Os grupos ilustram as palavras do professor Felisberto Sabino da Costa (chefe do Departamento de Artes Cênicas da USP): “Espraiando-se em toda a urbe, coletivos partilham não a ideia de uma metrópole policêntrica, mas, talvez, a concepção de uma rede urbana sem um centro determinante e determinado”.
A peça Dias de campo belo é uma viagem interior pelas memórias e sonhos de personagens masculinos que tentam voltar às suas raízes e reafirmar pactos
Outras conversas – A Fascs mostra uma pesquisa do Núcleo 42 de Teatro, que investiga a gestualidade, o som e a encenação por meio do jogo no estudo O Estado Rinoceronte. A peça foi criada a partir da obra O Rinoceronte, de Eugene Ionesco, e textos de Viviane Forrester, Álvaro de Campos e Carlos Drummond de Andrade, propondo uma leitura da metamorfose humana. Já a Unicamp coloca em cena o ensaio Trânsito Livre, um espetáculo improvisado com base na dança contemporânea, criado a partir de perguntas que a plateia propõe na entrada do teatro. Assim, o público se torna coautor e parte indispensável do trabalho. Outro grupo de atores da Unicamp dirige em conjunto o exercício Sou Teu ou Meu?, orientado por Marcello Lazzaratto, baseado no romance Um, Nenhum e Cem Mil, de Pirandello. A ideia da peça é colocar no palco vários “Mins”, vestindo-se de diversos personagens para falar sobre uma pessoa tão desconhecida de nós mesmos, o Eu.
O Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator (Cepeca) da USP também participa da mostra, abrindo espaço para que artistas-pesquisadores mostrem seus resultados cênicos e um breve esboço de seus processos de criação. Serão apresentados estudos como Pina, Nelson, Kieslowski e Eu: Cada Hora É um Gente que Coisa Doida; Dramaturgia de uma Nau de Loucos: Uma Possibilidade Cênica; e Invasão de Privacidade como Processo de Pesquisa e Espetáculo. Encerrando a programação, Elias Andreato apresenta o espetáculo Doido, uma coleção de confissões sobre a condição de ator, unindo a suas próprias palavras trechos de poemas de Manuel Bandeira e excertos de Antonin Artaud, uma homenagem a todos os seus colegas de profissão.
A mostra começa nesta terça e vai até 4 de maio, de quarta a segunda, sempre às 20h, no Tusp (r. Maria Antonia, 294, Consolação). Informações pelo tel. 3255-7182, ramais 41 e 42. Entrada franca. Programação completa em www.usp.br/tusp/index.php.