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A educação acima do ensino

“Fico revoltado quando dizem que o Brasil não tem bons professores. Eu tive bons professores.”

Por Mariana Franco

Desde a infância, a vida de Kokei Uehara foi marcada pela forte presença da educação. Ele recorda-se agradecido dos professores que teve ao longo da vida, principalmente dos primeiros, que o ajudaram quando menino, recém-chegado do Japão. Reconhece também a importância da família, que sempre o incentivou a estudar e a ter uma rica formação geral.

“Eu não gostava muito de estudar, gostava um pouquinho só. Ir bem nas aulas, tirar nota dez, era obrigação, mas sempre fui orientado a não ficar só no livro da escola. Quando entrei na Poli, não ganhei parabéns dos meus irmãos, mas soube que eles ficaram satisfeitos. Vim para São Paulo estudar e eles disseram: ‘Não fique só estudando engenharia. Não adiantará nada você ser um engenheiro casca-grossa, que ficará desempregado e infeliz em pouco tempo. É preciso ter cultura geral’. Fiquei muito feliz!”

Uehara tinha a obrigação com os irmãos de escrever-lhes cartas todos os domingos – em japonês. “Eu era quase analfabeto em japonês, mas escrevia todo domingo”, relembra. Nas férias entre o 3º e o 4º ano da faculdade, surgiram várias oportunidades de estágios. Pensando em trabalhar para ajudar a família, diminuindo a remessa de dinheiro que lhe enviavam, escreveu aos irmãos pedindo permissão para estagiar. A resposta foi bem diferente do esperado da maioria das famílias. “Logo na primeira linha diziam: ‘Se essa escola te dá a chance de fazer estágio, essa escola não presta. É melhor você voltar a puxar enxada’. Por fim, proibiram-me de estagiar e disseram que se eu realmente tivesse tempo livre, que fosse estudar algum instrumento musical ou filosofia. Muitas horas da minha graduação foram dedicadas ao estudo de coisas que não serviam muito para a engenharia. Mas são as que mais valem para a vida.”

Além de lecionar na USP, deu aulas para a pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fundou a Fatec São Paulo e o curso de engenharia da Unip. Ao longo de todos esses anos, teve cerca de 7 mil alunos. “A área da educação sempre foi a minha vida. Procurei preparar os meus alunos em nível internacional, e para que fossem cidadãos dignos. Só isso. Fico revoltado quando dizem que o Brasil não tem bons professores. Eu tive bons professores.”

Uehara preocupa-se ao pensar na educação de hoje. O ensino, segundo ele, por vezes é mais valorizado que a educação. Mas esta é a junção de vários fatores, dentre os quais o ensino. “A educação é formada por perninhas. Numa antiga definição chinesa elas eram a ética e a moral, o ensino e o estudo, e a saúde. Hoje temos outras. Eu citaria a sensibilidade ao belo – seja criado pelo homem ou pela natureza, apreciar tanto uma obra de Beethoven ou Bach quanto um chorinho, procurar entender a arte, a literatura.”

“Então eu diria a interação entre o indivíduo, a família e a sociedade, e essa perninha me preocupa. A família tem que estar unida, ter conversa, é preciso haver respeito. Depois, um indivíduo não pode ficar ilhado – ele está dentro da sociedade. Nós vivemos num conjunto, um depende do outro e ninguém é mais importante que ninguém – seja lixeiro, deputado, professor. A outra perninha para mim é o meio ambiente, e depois você cria outras que julgar necessárias.”

“Por isso tudo, não adianta só estudar. Cultura, respeito, integrar-se à sociedade, isso não se aprende ao fim de um curso de jornalismo, engenharia ou medicina. Temos de ir estudando e tentando fazer nossa análise interna antes de julgar os outros. Aprendemos pela vida toda”, conclui.

Leia mais sobre a trajetória e a vida de Kokei Uehara.

Um comentário sobre “A educação acima do ensino”

  1. Paula Cristina disse:

    Que exemplo de vida o Prof. Uehara … e que sorte seus alunos tiveram!!!

    São pessoas assim que fazem toda diferença em nossas vidas.

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