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Problemas múltiplos, riscos multiplicados

Alcoolismo e tabagismo são vícios que se agravam mutuamente. Remédio auxilia o tratamento concomitante dos dois

Por Mariana Franco

Alcoolismo e tabagismo são dependências que andam de mãos dadas. A maioria dos fumantes ingere álcool e estes têm tendência a fumar mais do que os que não bebem. É muito difícil, também, encontrar um alcoolista que não fume – cerca de 70% dos dependentes são considerados fumantes pesados (fumam mais de 30 cigarros ao dia).

As duas dependências são tão próximas por agir de modo sinérgico: o álcool é um depressor e o fumo, estimulante, portanto o efeito de um é utilizado para compensar o do outro. Os riscos para a saúde são também muito mais graves para aqueles que fumam e bebem. “Os riscos do uso de cada droga independentemente não são apenas somados – eles são somados e aumentados em 50%”, explica Danilo Baltieri, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC). Algumas doenças graves, como o câncer de laringe e de boca, são um perigo maior para essa população.

A doutora Mayuri Hassano, do HU

A doutora Mayuri Hassano, do HU

Segundo Mayuri Hassano, psiquiatra do Hospital Universitário (HU) e coordenadora do Centro Universitário de Intervenção em Drogas e Álcool do HU (Cuida – USP), o uso concomitante das duas drogas aponta ainda para uma maior dificuldade de parar. “Os estudos mostram que os alcoolistas fumantes têm, na verdade, mais dificuldade para parar de fumar e, quando param, recaem com mais frequência. Alguns estudos indicam ainda uma tendência de se buscar outras drogas quando se para de fumar”, explica ela.

O resultado de pesquisa sobre tratamento da dependência alcoólica, realizada pela Faculdade de Medicina da USP, da qual participou Baltieri, encontrou inesperadamente uma medicação que auxilia na redução do alcoolismo e do tabagismo ao mesmo tempo. O topiramato atua como um diminuidor da ansiedade e impulsividade, diminuindo consecutivamente o desejo de fumar e beber.

A pesquisa analisou ainda se a preferência por certo tipo de bebida alcoólica influencia na aderência a tratamentos. A maioria dos pacientes tinha preferência pela ingestão de cerveja ou cachaça. Destes, os que preferiam a bebida destilada apresentavam um quadro clínico mais grave, e para eles, o tratamento foi menos eficiente.

Esses resultados, segundo Baltieri, estão ligados a outros fatores que não só o tipo de bebida. Uma grande quantidade dos dependentes de álcool que preferiam a pinga já havia passado por algum serviço público de saúde, e apresentava um menor nível socioeconômico. A falência de múltiplos tratamentos anteriores, a não aceitação da sociedade e os problemas profissionais e familiares decorrentes do vício acabavam por agravar a doença desse indivíduo e tornar mais difícil seu tratamento.

“A sociedade encara de forma diferente o consumo de cerveja e de pinga, e isso afeta a percepção dos pacientes acerca de sua doença. Se você passa num bar numa sexta-feira à tarde e vê dez garrafas de cerveja sobre a mesa, aquilo é normal. É normal tomar um chopp depois do trabalho. Mas não é a mesma coisa ver um sujeito com um litro de cachaça na mão. Cerveja é happy hour, pinga é perdição”, explica o psiquiatra.
Mayuri Hassano relata que o estigma social da dependência química é percebido mesmo nos próprios pacientes: “Nos grupos antitabagismo, nem sempre o paciente admite num primeiro momento a dependência de álcool ou de outras drogas. É frequente ele negar ou minimizar o uso de outras drogas, normalmente por vergonha, medo de julgamento moral ou discriminação”.

Outra característica decorrente da maior aceitação social  do consumo de cerveja é que os dependentes alcoólicos com preferência pela bebida fermentada têm maior resistência a aceitar que possuem uma doença. “É bem mais difícil esses pacientes procurarem um tratamento específico. A cerveja pode ser e é um problema sério para muitas pessoas”, adverte Baltieri.

O psiquiatra Danilo Baltieri

O psiquiatra Danilo Baltieri

O tratamento, segundo o psiquiatra, é muito difícil, mas sem segredos. “Três fatores são fundamentais. Primeiro vem a vontade do indivíduo de parar. Muitas vezes o indivíduo não tem essa vontade, mas a desenvolve, e nós, médicos, temos que ajudá-lo a desenvolver essa vontade. O segundo, e essencial, é a família. Um tratamento no qual não se inclua o apoio dos familiares está fadado a ter um sucesso muito menor. O terceiro é ter uma equipe especializada disposta a ajudar. É preciso avaliar cada caso e oferecer apoio específico para cada um, é preciso analisar os pormenores da doença do indivíduo, da sua vida.”

“Muitas vezes a família abandona seu parente, não entende seu problema como doença, encara como falta de caráter, como um cara vagabundo. Mas é necessário entender que é uma doença mental e que a pessoa precisa ser tratada. Há doenças mentais em torno das quais precisamos diminuir os estigmas existentes, e uma delas é o alcoolismo”, elenca. “Dez por cento da população brasileira é dependente de álcool. Precisamos trabalhar primordialmente com o esclarecimento e prevenção.”

Para as pessoas que fumam e bebem, e que pretendem parar, é consenso entre os médicos que o ideal é procurar tratamento para os dois vícios, e conquistar de uma só vez uma vida mais saudável.

Serviço:

Hospital Universitário
O HU tem dois grandes programas de tratamento. Há o tratamento para o tabagismo e o tratamento para o alcoolismo e/ou dependência de drogas ilícitas. Para participar deve-se primeiro passar por avaliação no hospital.

Local: av. Prof. Lineu Prestes, 2.565
Fone: (11) 3091-9323
Valor: gratuito

Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

O IPq apresenta também diversos tratamentos para dependência química, ligados em sua maioria a pesquisas. Deve-se também passar por avaliação agendada por telefone.

Local: rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, dentro do complexo do HC (próximo à estação Clínicas do Metrô)
Fone: (11) 3069-7899 ou 3069-6960
Saiba mais sobre os tratamentos antitabágicos do HU e IPq clicando aqui, e sobre os resultados de quatro meses de vigência da lei antifumo.

3 comentários sobre “Problemas múltiplos, riscos multiplicados”

  1. Leninha disse:

    Esclarecedor e assustador! Mas como abordar um alcolatra para ajudá-lo?

    Abraços

  2. João Jos&eacu disse:

    Por favor, gostaria de saber como encaminhar um paciente para tratamento de dependência química(alcool).

    Se houver alternativas de tratamentos pagos e não pagos, gostaria de conhecer os dois.

    Obrigado

  3. admin disse:

    Olá, João.

    Existem opções públicas e privadas para o tratamento de dependência alcoólica.

    A Prefeitura oferece tratamento para álcool e drogas ilícitas nos Centros de Atenção Psicosocial Álcool e Drogas/CAPSad. Existem nove CAPSad's na cidade de São Paulo, em diferentes bairros. Abaixo você confere os locais e telefones.

    O Hospital Universitário oferece um programa de tratamento para alcoolismo e/ou drogas ilícitas para a comunidade USP (funcionários, docentes e alunos) ou para a população do Butantã e região. Para ser encaminhado para este tratamento é preciso primeiro passar por consulta prévia no hospital. Local: av. Prof. Lineu Prestes, 2.565, Cidade Universitária Fone: (11) 3091-9323

    O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas também oferece tratamentos para alcoolismo, vinculado a pesquisas do Instituto. O paciente deve passar por avaliação prévia, que deve ser agendada pelos telefones (11) 3069-7899 ou 3069-6960. Local: rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, dentro do complexo do HC (próximo à estação Clínicas do Metrô)

    Outra opção ainda é o AA – Alcoólicos Anônimos, irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências a fim de resolver seus problemas comuns – o alcoolismo. A participação é totalmente gratuita e o único requisito é querer parar de beber. No Estado de São Paulo existem 524 diferentes grupos do AA, sendo 207 só na Grande São Paulo. Neste link você pode encontrar a relação dos grupos, seus endereços, datas e horários das reuniões. http://www.aa-areasp.org.br/portal/grupo.html

    Já a área de tratamento privado é grande e diversificada. Existem várias clínicas de tratamento, oferecendo diferentes serviços. Para estes, o melhor é procurar indicações de clínicas confiáveis, preferencialmente com profissionais de saúde, procurar conhecer os locais e serviços prestrados, certificando-se de sua seriedade.

    Assistência a Dependentes de Álcool e Drogas

    Descrição:

    Dependentes de álcool e drogas recebem atendimento especializado nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas/CAPSad. O CAPSad é um serviço especializado em saúde mental que atende pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de álcool e outras drogas. É um serviço ambulatorial territorializado que integra uma rede de atenção substitutiva à internação psiquiátrica, que tem como princípio básico a inserção social. Compreende ações de assistência (medicação, terapias, oficinas terapêuticas, atenção familiar) na perspectiva da reinserção social, além de realizar ações de prevenção e capacitação de recursos humanos da rede básica.

    DISQUE DROGAS

    O Disque Drogas presta informação e orientação relacionadas ao uso de drogas. o horário de funcionamento é de 2ª a 6ª feira, das 8h às 18h.

    Telefones: 0800-7713163 / 3105-2645

    CENTRO

    CAPSad Centro

    R. Frederico Alvarenga, 259 – 5° andar – Anexo B

    Pq. D. Pedro II – 01020-300

    Telefone: 3241-0901

    LESTE

    CAPSad Jardim Nélia

    R. Domingos Martins Pacheco, 1.910

    Itaim Paulista

    Telefone: 6963-3802, 6563-1413 e 6572-1948

    CAPSad Ermelino Matarazzo

    R. José Muniz Ribeiro,100

    Ermelino Matarazzo – 03807-010

    Telefone: 6544-4896

    CAPSad São Mateus

    R. Joaquim Gouveia Franco, 150

    Cidade São Mateus – 03961-020

    Telefone: 6119-8143 e 6110-8146

    NORTE

    CAPSad Casa Azul Pirituba

    R. Lino Pinto dos Santos, 203

    Telefone: 3835-2905 e 3632-0052

    SUL

    CAPSad Jabaquara

    Praça Barão de Japurá, 1

    Vila Guarani – 04313-160

    Telefone: 5011-1583

    CAPSad Santo Amaro

    R. São Benedito, 2400

    Santo Amaro – 04735-005

    Telefone: 5522-4833 e 5523-3566

    CAPSad Jardim Ângela

    R. Ivirapema, 41

    Jd. Ranieri – 04941-010

    Telefone: 5833-2838

    CAPSad Vila Mariana

    Av. Ceci, 2.101

    Vila Mariana – 04065-004

    Telefone: 275-3432

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