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Eva Blay e sua luta pelas mulheres

Ela é referência quando se trata da questão da mulher. A socióloga, ex-senadora e militante dos direitos das mulheres, Eva Blay, fala de sua carreira, sua vida e seus ideais.

Por Guilherme Celestino

“Uma mulher que acaba de ser aposentada compulsoriamente, dedicou mais de 40 anos a USP, e é avó de duas netas pequeninhas, uma tem quatro e a outra vai fazer nove” é assim que se apresenta Eva Blay. Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1959), com mestrado e doutorado em Sociologia pela USP (1969 e 1973), e também coordenadora do Nemge (Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero), sempre quis fazer pesquisa. Se não tivesse escolhido isso como profissão teria sido jornalista: “Eu sempre tive desde criança muito interesse pelas coisas que estavam acontecendo perto ou mais ou menos perto”.

Na sua juventude participou do movimento sionista de esquerda Habonim Dror, mas não chegou a ir para Israel. “Não suportei a idéia de morar num kibutz, pois o meu socialismo é um pouco diferente, fui lá apenas uma vez, de férias”, diz a socióloga. A verdade é que Eva Blay tinha sido preparada, assim como suas duas irmãs, para fazer universidade. Na sua família a mulher sempre teve um papel importante, visto que sua avó e mãe trabalhavam. Foi nessa época que surgiu a idéia de fazer Ciências Sociais: “Alguém comentou que ali se fazia pesquisa, aí eu fui direto, não sabia absolutamente o que significava, fazer pesquisa, acho que intuía”.

Eva estudou nos colégios que eram considerados os melhores, e na época a escola pública era ótima. “Eu estudei no Padre Anchieta, no Roosevelt e depois na USP, sempre em escola pública. No primário tinha uma classe cheia de meninas, aliás, era separado menino e menina, nem o período poderia ser o mesmo, no colegial também. Dessa turma de mulheres no mínimo 50% fez universidade.”

Encontro de mulheres latino americano de 2001
Eva Blay no encontro de mulheres latino americano de 2001

No começo da vida acadêmica abraçava todas as oportunidades que apareciam. “Na época não tinha nem mesmo mestrado, fiz apenas uma especialização e comecei a dar orientação. Era aquela fase de transição”, relata. Foi no mestrado que Eva começa a se interessar pela questão da mulher, tema que pautara toda sua vida, com um estudo da mulher trabalhadora e da escola profissional feminina. “Eu achei que não ficou muito bom, mas como, historicamente, marcou um tempo e como tem muita informação… Hoje em dia, vendo pessoas recuperar meu texto, é engraçado, porque eu mesma não o valorizo.”

Entrou no Departamento de Sociologia como instrutora voluntária, trabalhando dois anos sem ganhar, até que decidiu enviar um projeto de pesquisa para a Fapesp sobre a mulher trabalhadora. “Ganhei a bolsa, só que foi muito engraçado, pois na época o Walwick Kerr, diretor científico da Fapesp, me chamou e perguntou por que eu queria estudar a mulher, porque precisava estudar a mulher.” Ela explicou para ele que a mulher ainda era desconhecida, os dados não mostravam nada. Pouco tempo depois saiu sua contratação no Departamento de Sociologia.

Ela começou então a dar aulas de organização social, e decidiu fazer um trabalho específico sobre a questão da mulher. “Os alunos quase me mataram. Mas eu insisti e entramos em um acordo. Uma parte da classe fez e outra não. Hoje encontro com aqueles ex-alunos e eles dizem: ‘É Eva você foi muito precoce’, e fui mesmo”, lembra a professora.

Ao mesmo tempo em que lecionava na USP, Eva participava de movimentos de mulheres numa época em que o assunto não era debatido. Foi somente com a ditadura que as coisas mudaram. Os movimentos feminista e de mulheres se articularam fazendo uma série de atividades que visavam à democracia e ao direito à cidadania para as mulheres. “A gente saáa na rua, participamos de um movimento contra a carestia, outro por creches, por postos de saúde… Então a mulherada se organizava no bairro, nós fazíamos visitas. Íamos para esses lugares falar sobre democracia, direito da mulher. Sem ligação com nenhum partido, era mesmo cidadania”, destaca. Ao mesmo tempo em que em outros países da América Latina isso era proibido. “Nós fomos apoiar as mulheres no dia 8 de março no Chile, a polícia ficou atrás, só faltava soltar os cachorros em cima, isso porque distribuíamos panfletos pequenos. Mas eu não sofri perseguição na época.”

Sua ligação com a política começou somente após a redemocratização quando entrou no PMDB, e logo depois participou da fundação do PSDB, pelo qual foi suplente do então senador Fernando Henrique Cardoso e depois senadora de 92 a 94. “Primeiro participei do movimento feminino pela anistia, em 79, e com a redemocratização, fui convidada a participar de um evento pela candidatura do Montoro”, relata. Entretanto o movimento só iria apoiá-lo se criasse o Conselho Estadual da Condição Feminina “Começamos a fazer uma série de debates sobre vários temas, organizamos subgrupos para creches, discutimos com editoras para os livros não serem sexistas e em 85 foi criada a Delegacia de Defesa da Mulher, mas nessa época o PT já tinha existia o que criou muito problema, era um pouco como ‘não vale, porque não é do PT’.” Para ela o movimento feminista não vem atrelado ao socialismo, mas também não é de direita.

Viúva, quando o assunto é família, Eva traz apenas boas recordações de seu marido, Júlio. Ela diz que ele era um grande feminista. “Outro dia uma amiga da união das mulheres me disse: ‘Um dia você chegou lá com o Júlio, e ele viu que estávamos colocando papéis nas mesas. Ele não perguntou nada, pegou os papéis e começou a colocar nas outras mesas, quando vi aquilo percebi que era dos nossos, foi para participar’.”

Quando questionada se é uma pessoa polêmica, Eva responde, enfática: “Eu sou mesmo, me considero polêmica porque reajo a provocações e luto pelo que acho certo”.

2 comentários sobre “Eva Blay e sua luta pelas mulheres”

  1. Rosely disse:

    Olá adorei saber sobre esta pessoa, será um exemplo de mulher para mim.

  2. Nara disse:

    Bom Dia!

    Foi instantânia a minha identificação com a resposta de Eva quanto ao questionamento "…se é uma pessoa polêmica…" – A resposta de Eva faz juz quando queremos uma sociedade mais igualitária e não discriminatória.

    Fiz um lançamento na base sindical sobre a inclusão de uma cláusula "Coibição de Práticas Discriminatórias" no ano de 2006/07, para surpresa minha passou na plenária estadual e a empresa aprovou a cláusula como "Orientação quanto à Coibição de Práticas Discriminatórias – A CELESC Distribição manterá com a participação dos Sindicatos, da área de responsabilidade social, de recursos humanos e jurídica, uma comissão permanente, sob a coordenação da Diretoria Jurídico-Institucional, que terá como objetivo desenvolver campanhas de conscientização e orientação destinadas aos empregados sobre temas como, assédio moral, assédio sexual e outras formas de discriminação de sexo, raça, religião ou ideologia, visando prevenir a ocorrência de tais condições e coibir atos e posturas discriminatórias noa ambientes de trabalho e na sociedade de forma geral." Estando e sendo aprovados nos anos seguintes frente ao Acordo Coletivo 2007/2008 e agora 2008/2009.

    Observei essa necessidade na empresa, atrávés do estudo no mestrado em Políticas Públicas, na qual gerou dois programas de entrevista no Canal Futura(2007/2008). Fui muito criticada pelo feito e percebendo que a própria mulher discrimina a mulher, gerando comentários como: "Santo de casa não faz milagres"; "tua pesquisa não vai dar certo, pois não temos discriminação dentro da empresa"; "…não quero palestrantes da casa falando sobre discriminação na SIPAT"; piadas grotescas sobre a mulher; etc… Mas, ainda bem que temos pessoas como Eva, na qual podemos nos identificar e fazer com que mantenhamos acessa a luta contra a discriminação que impermeia a sociedade. Estou com objetivo de fazer um doutorado nesta linha; poderia a Eva efetuar algum encaminhamentos(sugestões) direcionados ao tema "discriminação da mulher no mercado de trabalho" na visão antropológica para que eu possa efetuar um projeto? Tenho formação em Pedagogia/Serviço Social e Mestre em Políticas Públicas.

    Grata pela atenção, M.Sc Nara

    Nara Cavalcante Serpa

    Rua Maria Medeiros Siemann, 199

    Bairro Fazenda

    88302-250 – Itajaí – SC

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