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Infinito e Atemporal

Em 2009, comemorando seus 80 anos, Henrique Walter Pinotti reafirma sua luta pelo espírito humanista na medicina

Por Maria Clara Matos

Evocar a memória é redesenhar a vida, Resgatando imagens, sonhos e realizações
H.W.P

Henrique Walter Pinotti

Henrique Walter Pinotti

Filho dos italianos Giovanna, natural da cidade de Nápoles, e Aristodemo, nascido em Mântua, Henrique Walter Pinotti, médico e professor da Faculdade de Medicina (FMUSP), possui uma história que se confunde com a do bairro nascido às margens do rio Tamanduateí, o Cambuci. O local, reduto de imigrantes europeus, foi onde Henrique Pinotti viveu até seus 23 anos de idade e aprendeu sólidas noções de solidariedade, como ele mesmo comenta: “Cresci em um ambiente alegre, de pessoas de espírito participativo e sentimentos ricos de reciprocidade. “Nas noites de verão nós sentávamos na calçada. Os adultos bebiam, cantavam e jogavam baralho, era uma vida rica. Acho que é por isso que sou feliz até hoje”.

Turma do 2º ano do Grupo Escolar Armando Bayeux, no Cambuci. O médico é o terceiro aluno, da esquerda para a direita, à frente

Turma do 2º ano do Grupo Escolar Armando Bayeux, no Cambuci. O médico é o terceiro aluno, da esquerda para a direita, à frente

As casas geminadas e a condução coletiva proporcionavam a vivência entre as pessoas que buscavam se ajudar mutuamente. E também era nas ruas que as brincadeiras da criançada floresciam. Futebol de botão com a bolinha feita de miolo de pão, piões, amarelinha e os papagaios eram as grandes atrações. Mas Henrique não esconde a paixão que tinha pelo futebol. A várzea do Glicério era um dos pontos de encontro para o bate-bola acirrado e era “descalço mesmo, não tinha jeito”. E para ver uma boa partida havia o campo da Portuguesa de Desportes. “A gente ia a pé, pulava o muro para ver os jogos”, relembra.

O professor conta que os melhores jogadores eram chamados para o time da The São Paulo Tramway, Light and Power Company, a conhecida Light, empresa canadense responsável pelos serviços de geração e distribuição de energia elétrica. “A Light via quem era bom jogador e levava para o time. Dava uniforme, chuveiro e roupa passadinha. Joguei lá por muito tempo”, conta.

Henrique Walter Pinotti em uma típica rua do bairro do Cambuci, em meados dos anos 30

Henrique Walter Pinotti em uma típica rua do bairro do Cambuci, em meados dos anos 30

Mas as crianças do bairro também trabalhavam para ajudar a família e a de Henrique era grande, tinha oito irmãos biológicos e dois adotados. Quando garoto, ajudava os pais no Empório Aristodemo Pinotti Sobrinho – Secos e Molhados Nacionais e Importados. O comércio foi fruto de intenso trabalho de seus pais. Aristodemo Pinotti Sobrinho, pai de Henrique, trabalhava como cocheiro na Estação da Luz e na Praça da Sé, onde conheceu sua esposa Giovanna Galetto, operária em uma fábrica de guarda-chuvas.

Ainda na infância, Henrique Pinotti já revelava o encanto pela medicina: “Desde os nove anos de idade eu estava decidido a ser médico. Quando chegaram as férias do segundo para o terceiro ano colegial, eu pedi à minha irmã que escondesse as minhas chuteiras. Era momento de me dedicar aos estudos”.

Em 1950, entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e já do primeiro para o segundo ano iniciou suas atividades no hospital, se integrando aos assuntos relacionados ao sistema digestivo. “O hospital foi sensacional. Fui trabalhar com aparelho digestivo e o professor me orientou a ir para a cozinha para aprender a fazer comida.” Conta Henrique que daí surgiu sua paixão pela nutrição, o que futuramente deu origem a suas equipes de pesquisa e seus cursos de pós-graduação no assunto, os quais ministra até os dias de hoje.

Time juvenil da Light, no campo da empresa, em maio de 1944. Henrique Walter Pinotti é o quarto da fila superior

Time juvenil da Light, no campo da empresa, em maio de 1944. Henrique Walter Pinotti é o quarto da fila superior

Em abril de 1955, em Belo Horizonte, o então aluno de medicina participou da Primeira Inter-Med, criada com o objetivo de reunir acadêmicos de medicina de todo o Brasil para debater trabalhos científicos e ao mesmo tempo disputar competições desportivas. Foi durante esse encontro que Henrique conheceu sua mulher Ana Maria, mineira que acabou torcendo pelos paulistas. Estão casados há 52 anos.

Anos depois, em 1985, já como professor da FMUSP enfrentou um grande desafio, coordenar a equipe responsável pelo caso médico do primeiro presidente recém-eleito após a ditadura, Tancredo Neves. “Apesar da equipe formada por excelentes profissionais”, como comenta o médico, Tancredo não resistiu e depois de diversas cirurgias faleceu.

Henrique Pinotti na várzea do Cambuci, em 1947, sua última partida de futebol

Henrique Pinotti na várzea do Cambuci, em 1947, sua última partida de futebol

Devido a sua trajetória de destaque no exercício da medicina, o prof. dr. Henrique Walter Pinotti, Professor Emérito da Faculdade de Medicina da USP, recebeu no final de 2008 a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo. No mesmo dia lançou o livro Filosofia da Cirurgia, em que propõe o resgate da humanização da atenção médica. “A universidade moderna é desprovida de muros e deve enxergar e respeitar a sociedade, inserindo-se nela”, assinala. O médico e professor participou ativamente na inserção desse princípio na educação médica em todos os níveis de graduação e pós-graduação.

Segundo Henrique Pinotti, “houve um momento de grande evolução técnica e científica da sociedade capitalista que criou fortes distorções do comportamento do médico”. Criou o que ele chama de euforia ou apologia do sucesso, que corresponde às conquistas materiais, provocando um distanciamento entre o médico e o paciente.

Filosofia da Cirurgia traz considerações sobre a vocação médica, sobre a inserção do profissional no mercado de trabalho, a relação médico-paciente em cirurgia, dentre outros assuntos. Nesse sentido, a obra pretende abordar a evolução e a compreensão da prática cirúrgica, além de resgatar contornos éticos relacionados ao respeito ao homem, valores infinitos e atemporais.

O médico e Professor Emérito da Faculdade de Medicina da USP, recebe a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo

O médico e Professor Emérito da Faculdade de Medicina da USP, recebe a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo

Diz-se que quando contamos uma história que aconteceu conosco, ela já não é mais verdadeira, mas sim uma versão. O que pensar quando contamos os acontecimentos de uma vida que não é nossa? Para saber mais sobre a história de Henrique Walter Pinotti beba direto da fonte.

O Cambuci Outrora e Agora (2006)
Henrique Walter Pinotti
Editora 34
295 páginas
R$ 40,00

Filosofia da Cirurgia (2008)
Henrique Walter Pinotti
Editora O.L.M
264 páginas

Um comentário sobre “Infinito e Atemporal”

  1. Marco Antonio Sanche disse:

    As campanhas para doação de sangue estão deixando de citar as pessoas que são portadoras de impedimentos como virus da hepatite por exemplo, fazendo-nos sertirmos muito mal, como se nossa atitude esteja prejudicando alguém. Na verdade estamos evitando matar os pacientes com os motivos de nossos impedimentos.

    Atenciosamente,

    Marco Antonio

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