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Violência doméstica

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Ana Flávia D'Oliveira, da FMUSP, atua na área de medicina preventiva

Pais e filhos e toda sociedade
Agressões domésticas contra a mulher castigam lares brasileiros e tornam, não só mulheres, mas também crianças e homens em vítimas da violência

Por Isabela Morais

Seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher vítima de violência doméstica. Isso é parte do retrato da violência contra mulheres nos lares do Brasil, segundo aponta pesquisa realizada pelo Instituto Avon, no começo de 2011. Além das consequências à saúde física e mental da vítima, as agressões afetam a harmonia da família de maneira definitiva. Mas, amedrontadas e receosas, são poucas as vítimas que procuram ajuda. Por detrás das portas trancadas, mesmo que os números digam o contrário, fica a impressão de que ninguém sabe o que aconteceu.

Wania Pasinato, do NEV, desenvolve conhecimento na área de violência contra a mulher, delegacias de defesa da mulher e sociologia jurídica

De acordo com a pesquisa, 46% dos entrevistados consideram o machismo o principal fator que gera a violência. “O poder é atribuído ao masculino”, diz Wania Pasinato, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. Para a socióloga e pesquisadora, o poder “macho” surge da configuração histórica da sociedade. “Não se trata da força física, mas da questão cultural e social de como se delimitou quais são os atributos de cada gênero. Os atributos masculinos são a dominação, o poder e controle econômico e moral. Junto à dominação e ao poder vem o exercício da violência”, analisa.

Para Wania, hoje a sociedade aceita melhor os novos papéis que as mulheres desempenham. Mas ela ressalta: “Culturalmente ainda há muita resistência. Alguns setores reconhecem a violência do homem como aceitável, como um direito masculino”. Por meio da suposta legitimidade das agressões, muitos homens passaram, e ainda passam, impunes pela Justiça. “Mulheres eram agredidas ou mortas e a Justiça não fazia nada. Pelo contrário, ela absolvia e aceitava essa violência, tendo como base o argumento da legítima defesa da honra, que não é jurídico. Ainda vemos muitos crimes justificados por esse motivo”, relata.

Wania afirma, porém, que a violência doméstica contra a mulher, em suas diversas formas – como a física, sexual, psicológica ou moral – está longe de ser um problema com soluções únicas pelo viés criminal. Ela relata que as vítimas, em geral, reconhecem que as agressões afetam seu corpo e sua liberdade, mas não as veem como um crime. “Isso porque ela está sendo violentada por seu companheiro, por alguém próximo. Ela não quer preservar a violência, mas muitas vezes quer manter o vínculo afetivo”, conta.

Pelas relações de proximidade e afetividade com o agressor, as mulheres preferem não contar o que acontece dentro de sua casa. Segundo o estudo do Instituto Avon, entre as principais razões para uma mulher continuar numa relação violenta está a falta de condições econômicas para se sustentar e criar os filhos sozinha, o medo de ser morta, a falta de autoestima e a vergonha de admitir as agressões. “Isso faz com que a procura pela polícia seja muito mais um apelo por ajuda do que uma busca por justiça”, relata Wania.

Malvina Muskat acredita que é preciso trabalhar também a questão do homem

Para resolver os problemas que atingem diretamente mulheres, Malvina Muzskat trabalha a questão observando o lado masculino. Psicanalista formada pela PUC e especialista em mediação familiar, ela diz: “Sou a favor de se trabalhar o homem”. Isso porque, numa sociedade machista eles também sofrem pressões. “Os homens também estão fragilizados, pois precisam corresponder ao que se espera deles, como o ‘ser machão’, não demonstrar sentimentos ou ter que sustentar uma família. Não são todos que têm regalias; a hegemonia masculina não e democrática e não garante o poder para todos os homens”, conta.

Malvina dirigiu, por 15 anos, a ONG Pró-Mulher, Família e Cidadania, onde desenvolveu um programa de atendimento que pretendia fortalecer as mulheres – tirando-as da situação de vitimização – e instigar homens a mostrar suas fragilidades, sentimentos e impulsos. Em sua experiência, ela observou como as agressões afetam toda a família. “A violência se prolonga por outras gerações. Grande parte das pessoas vinha de uma família violenta, e as mulheres que apanhavam do marido costumavam bater nas crianças.”

Os números vão ao encontro dessa observação: 75% das mulheres violentadas são favoráveis à ideia de que é bom “dar uns tapas” nos filhos, segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, de 2010. Já de acordo com estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), filhos cujas mães são violentadas têm três vezes mais chances de adoecer e 63% dessas crianças repetem pelo menos um ano na escola.

A falta de recursos como o diálogo é um dos fatores que sustenta a violência dentro dos lares. Para Malvina, quando um homem agride uma mulher, se utiliza de um recurso infantil, regredido: “Quando se mexe com uma criança, ela mete a mão, dá pontapé, dá beliscão. É uma forma de agir primitiva, que acontece por falta de recursos como o diálogo. Em famílias intelectualizadas, a violência acontece menos. Digo intelectualizadas e não ricas. Isso independe da condição financeira”. Para todas as classes, ela opina: “A educação é a base para as mudanças”.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra a mulher é uma questão de saúde pública, registra Ana Flávia D’Oliveira, professora de Saúde Preventiva da Faculdade de Medicina (FMUSP). “Ela é assim enquadrada pois, além de ter enorme prevalência, suas consequências estão ligadas a outros problemas físicos e psíquicos, como a depressão, o abuso de drogas e até tentativas de suicídio”, revela. Os gastos com assistência à saúde, resultantes dessa violência, somam 1,9% do PIB, segundo o BID.

Por suas diversas abordagens, a conclusão é de que “a violência contra a mulher é um assunto multidisciplinar e multiprofissional e todo mundo tem que fazer alguma coisa”, afirma Ana Flávia. “Se uma mulher chega num posto porque quebrou o braço numa briga com o marido, e o atendimento é considerado apenas como um problema de saúde, o braço pode ser consertado, mas a violência continuará em casa”, explica.

Wania, Malvina e Ana Flávia concordam que o atendimento à mulher em situação de violência é falho. A rede é formada por instituições que prestam serviços nas áreas jurídica, policial, médica, psicossocial ou de aconselhamento. Apesar dos benefícios de uma rede integrada, elas alertam que a má formação dos profissionais pode prejudicar o combate à violência doméstica.  Para Wania, “os serviços devem fazer um trabalho integrado de fato. A mulher precisa ser encaminhada de acordo com sua necessidade”. Mas ela ressalta: “As mulheres são muito julgadas moralmente e funcionários que não estão bem preparados causam obstáculos. Ainda há muito julgamento de valor e a mulher se enche de dúvidas. Assim, ela acaba voltando para aquilo que é minimamente seguro”.

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