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Professor de árabe da USP vivenciou não só a revolução no Egito, como também a revolução brasileira no olhar ao Oriente Médio

Por Isabela Morais

Entre os protestos que levaram à queda do presidente Hosni Mubarak no Egito, em fevereiro deste ano, estava o professor de árabe da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Mamede Mustafa Jarouche. Como parte de suas visitas anuais ao Cairo, por motivo de pesquisa, o professor, em 2011, foi surpreendido pelo clima revolucionário do país.

“Eu cheguei lá no dia 21 de janeiro e a revolução começou no dia 25”, ele conta. Junto ao povo nas ruas, Jarouche incorporou o clima de protesto que tomava conta do país e se tornou uma espécie de correspondente internacional por acidente, contribuindo com diversos jornais, emissoras de tevê e rádio do Brasil. Se hoje o Oriente Médio toma conta das principais manchetes do país, a história do professor revela que nem sempre a questão árabe recebeu a devida importância, inclusive no meio acadêmico.

Jarouche nasceu em Osasco, no ano de 1963. Filho de libaneses, viveu a cultura árabe desde cedo, mas em sua juventude, não se interessou por estudá-la. “Eu não tinha um projeto, não foi uma coisa que eu cheguei a planejar”, ele conta. Porém, após concluir o ensino médio, Jarouche ganhou uma bolsa de estudos na Arábia Saudita, devido à influência de sua família e lá teve seu primeiro contato direto com o mundo Árabe. “Não gostei nenhum pouco da experiência. Eu era garoto ainda, militante de esquerda e a Arábia Saudita tinha um ambiente mais do que conservador”, revela.

Segundo o professor, em alguns momentos era difícil se deslocar pelas ruas, devido aos protestos de milhares de pessoas

Mesmo com o choque, Jarouche não pode negar que a língua árabe havia chamado sua atenção. Em 1984, começou a cursar árabe na USP. Um ano após iniciar a graduação, retornou ao Oriente Médio, no Iraque, a serviço de uma construtora, onde trabalhou como tradutor e intérprete. “Foi um batismo de fogo, pois não tinha tanto conhecimento. Foi tudo na prática: fiz trabalho de intérprete com beduínos no meio do deserto, traduzia cartas oficiais. Não tirava o dicionário de debaixo do braço, mas acho que me saí bem.”

“Foi uma experiência interessante, mas eu não quis repetir”, ele relata. Após juntar dinheiro por um ano, voltou ao Brasil em 1986 e pode se manter por um ano sem precisar trabalhar, dedicando-se exclusivamente aos estudos. “Comprei todos os clássicos e tive tempo para lê-los, foi maravilhoso.” Em 1987, no segundo semestre, Jarouche começou a dar aulas de português em escolas particulares, atividade que exerceu até 1990. Ele casou-se com Júlia, professora de história, com quem teve sua única filha, Letícia.

Foi na segunda metade de 1990 que ele retornou ao Oriente, dessa vez para a Líbia, também como tradutor e intérprete da Brasoil. O projeto da empresa envolvia a construção de uma espécie de rio artificial, que levaria água do centro, até a costa, onde estão as mais importantes cidades do país. “Eu lidava muito com embarque e desembarque das pessoas que entravam e saiam. Foi também uma experiência bem estressante, mas que só durou quatro meses”, diz.

Jarouche foi o primeiro a traduzir o clássico árabe As Mil e Uma Noites diretamente para o português

Em 1991, Jarouche começou a se dedicar à sua pós-graduação, mas dessa vez, em literatura brasileira. Em 1992, após a aposentadoria de alguns professores de árabe do Departamento de Letras Orientais, ele prestou concurso e tornou-se professor da FFLCH. Em 1997, defendeu seu doutorado e, em 2001 concluiu um pós-doutorado no Egito sobre narrativa árabe.

Durante seus anos iniciais de docência, o professor tem como lembrança mais forte a precariedade do departamento responsável pelo ensino das Línguas Orientais. O episódio que mais lhe marcou foi o caso das plaquinhas: “Eu lembro que uma vez, andando pelos corredores, reparei que as portas tinham placas aparafusadas com o nome dos professores. Mas no caso do Departamento de Letras Orientais, as placas eram de papelão. Aquilo dava um ar de provisório. Era como se fosse assim: o professor de Teoria Literária ou de tradução é professor daqui. Agora os de Orientais, eles estão aí, por um acaso… Fica uma coisa descartável”. Após fazer um ofício exigindo a substituição do pedaço de papelão, o departamento passou a ter placas aparafusadas.

Segundo Jarouche, uma grande reviravolta aconteceu após o dia 11 de setembro de 2001. Na época, ele ministrava uma disciplina de cultura árabe e, após o episódio da queda das torres gêmeas, as aulas começaram a lotar. “Depois dessa virada, o curso de árabe cresceu e as pessoas mudaram a maneira de se olhar o Oriente. Os interesses dos alunos se tornaram mais objetivos: o aluno quer estudar árabe, porque ele está interessado na questão do Oriente Médio. O outro quer estudar árabe porque está interessado na linguística etc.”, relata.

O trabalho mais reconhecido de Jarouche é o de tradutor. Em 2005, lançou a primeira parte da tradução inédita do árabe para o português de As mil e uma noites, clássico mundial da literatura árabe. “Quase todas a línguas ocidentais têm uma tradução direta do árabe, mas o português não tinha. Como se trata de uma obra prima da literatura árabe era mais ou menos natural que se pensasse em traduzir.” O trabalho lhe rendeu o prêmio Jabuti de Melhor Tradução em 2006. Atualmente, Jarouche ainda está trabalhando na tradução de As mil e uma noites, porém não há previsão para o lançamento da quarta parte da obra.

Livro das Mil e Uma Noites volumes 1, 2 e 3

Editora Globo
424, 360 e 376 páginas, respectivamente
O primeiro volume custa R$ 55,00. Os demais, R$ 49,00

O Livro das Mil e uma Noites, clássico da literatura árabe, é daquelas obras que muitos conhecem, mas nem todos leram. Algumas de suas histórias estão fortemente presentes no imaginário das pessoas, como Ali Babá e sua caverna e Aladim e o gênio da lâmpada, mas outras são pouco conhecidas. O primeiro volume da obra traz as 170 primeiras noites, com suas fábulas de terror, piedade, amor e ódio, repletas de referências à cultura árabe. A segunda parte continua a saga com apenas cinco histórias; mais longas e que apresentam sub-histórias, multiplicando a variedade de acontecimentos. Já o terceiro volume continua com as histórias de Sherazade.  

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