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Como nenhuma tecnologia desenvolvida conseguiu regenerar os neurônios perdidos por lesão medular, reabilitação tenta intensificar estímulos neurais e motores
Por Aldrin Jonathan
O Dia dos Namorados promete ser diferente neste ano. Para o dia 12 de junho, está marcado o jogo inicial da Copa do Mundo de Futebol e possivelmente a paixão interpessoal cederá espaço ao sentimento pelo esporte que foi criado em terras britânicas. Boa parte do País estará com os olhos voltados para o Itaquerão, estádio do Sport Clube Corinthians Paulista, em São Paulo, para ver a bola rolando entre Brasil e Croácia. Isso todo mundo sabe, entretanto o marco não é apenas futebolístico, dando início ao segundo mundial em terras brasileiras, depois de 64 anos, mas apresenta uma inovação científica que futuramente poderá mudar a vida de portadores de necessidades especiais, auxiliando nos processos de reabilitação de lesados medulares.
Está prevista uma demonstração pública de exoesqueleto controlado por estímulos neurais que, pelo menos em expectativa, auxiliará um jovem paraplégico a dar o pontapé inicial da partida. A tecnologia faz parte da pesquisa Andar de Novo, liderada pelo pesquisador brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke (Estados Unidos) e que se baseia no estudo da interface cérebro-máquina. A roupagem metálica, conectada ao cérebro do paciente, é controlada por meio de estímulos nervosos advindos da região cerebral e possibilitará que o paraplégico ande e dê um chute na bola.
A lesão medular se caracteriza por trauma na estrutura neurológica no canal medular, localizado na coluna vertebral. A medula é uma continuação do sistema nervoso central, que tem o cérebro como prolongamento inicial. Pessoas com lesão medular possuem graves limitações motoras e sensoriais, o que, por consequência, estimula patologias secundárias, como diabetes, sedentarismo e quadro de osteoporose, bem como doenças cardiovasculares, decorrentes da falta de movimento. Segundo dados do IBGE de 2010, 5% da população declara ter deficiência motora, o que corresponde a cerca de 10,5 milhões de brasileiros.
Histórico
Estudos e a assistência no tratamento de reabilitação da pessoa com lesão medular só se iniciaram a partir da Segunda Guerra Mundial. A guerra deixou muitos homens em idade produtiva com dependência motora e este cenário contribuiu para que a medicina passasse a visar a reinserção e inclusão dessas pessoas na sociedade. No Brasil, a preocupação com a reabilitação das pessoas com lesão medular é bastante recente, iniciada na década de 50 para viabilizar o tratamento de poliomielite. Ao mesmo tempo, foram construídas faculdades de fisioterapia e terapia ocupacional e desenvolvidas áreas ligadas à reabilitação.
De acordo com dados do Ministério da Saúde que constam das Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular, a incidência de novos casos no Brasil é de 40 por milhão de habitantes a cada ano, ou seja, cerca de 6 a 8 mil. Destes, 80% das vítimas são homens e 60% se encontram entre os 10 e 30 anos de idade. Grande parte das lesões é causada por violências exteriores, como acidentes automobilísticos ou de trânsito, quedas de altura, mergulhos em águas rasas e ferimentos com arma de fogo. O trauma interfere na comunicação cérebro e corpo e impede a transmissão de estímulos sensoriais, no que se refere à sensação de dor e temperatura, e neurofisiológicos, como a regulação de suor e urina.
Tecnologia
Diante deste cenário, pesquisas na área de reabilitação tentam aumentar a expectativa e a qualidade de vida dessa população. A maioria das pessoas que sofrem
traumas medulares acaba ficando dependente de cadeira de rodas. Atualmente os processos de reabilitação se baseiam na tentativa de melhorar aspectos físicos possíveis dos lesados. Para o pesquisador do Laboratório de Engenharia Biomédica da Escola Politécnica, André Fabio Kohn, os conhecimentos relacionados à medula espinhal e ao cérebro ainda são muito escassos, devido à “complexidade” e “grande mistério” do sistema neurológico humano. “Para o estudo do cérebro existem milhões de anos pela frente”, brinca. “É o grande desafio de estudo. Se a medula espinhal humana não fosse tão misteriosa, possivelmente as tecnologias seriam melhores”, completa.
Atualmente há três eixos de pesquisa que estudam a possibilidade de intervenções externas em pacientes paraplégicos e tetraplégicos, explica o diretor clínico da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, Daniel Rúbio de Souza. A primeira linha de pesquisa visa à construção de órteses ou exoesqueletos mecânicos. Essa linha tenta associar corpo e máquina, sendo possível ao lesado medular controlar o aparelho por dispositivos acoplados ao sistema ou por estímulos neurais. “Não há um nível prático para a aplicação das órteses. Já acontece a disponibilização no mercado em mais de um modelo, mas ainda são instrumentos gigantes e pesados. No entanto, é a área que está caminhando mais rapidamente”, avalia.
A segunda linha pesquisa a possibilidade de regeneração neural por meio dos estudos com célula-tronco. O objetivo é fazer com que esse tipo celular se transforme em um neurônio e recupere a função motora perdida com o trauma. “Em humanos nenhuma dessas técnicas até hoje obteve sucesso”, comenta Souza, embora apresente resultados promissores em animais.
A terceira linha de estudo destina-se a pacientes com trauma medular incompleto, ou seja, não tiveram perda total do movimento abaixo do nível de lesão. Como ainda não há nenhuma técnica eficaz de regeneração neural total ou parcial de pacientes com limitação de locomoção, muitas pesquisas tentam encontrar outras formas de estimulação do sistema nervoso para proporcionar a realização de determinados movimentos.
Cada eixo de estudo possui inúmeras áreas específicas. Cientistas do mundo todo tentam compreender o funcionamento do cérebro e da medula, no entanto muita coisa ainda é ignorada. O pesquisador André Kohn acredita que a interdisciplinaridade é importante na criação de novas tecnologias, no entanto o Brasil estaria atrasado em relação ao desenvolvimento dessas pesquisas. “Talvez no futuro, com conhecimento mais apurado, seja possível construir tecnologias mais fáceis de serem usadas. Para isso deveria haver um financiamento adequado, uma prioridade. O País ainda está um pouco longe de onde poderia estar”, diz.
Perspectivas
“A tecnologia, a engenharia, particularmente a eletrônica, é essencial na inovação e no avanço da medicina, sem isso não há avanço”, avalia Alberto Cliquet Júnior, do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC).
Há 25 anos o pesquisador se dedica ao estudo de reabilitação de pacientes com lesão medular e recentemente desenvolve trabalho que utiliza a tecnologia de Estimulação Elétrica Neuromuscular, no Laboratório de Biocibernética e Engenharia de Reabilitação (Labciber), com aplicação no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A inovação permite a estimulação do sistema nervoso do paciente por meio da geração de impulsos elétricos de baixa intensidade, processados via arco-reflexo, aplicados sobre eletrodos que são colocados sobre a superfície da pele.
O objetivo é estimular a marcha bípede de pacientes com lesão medular incompleta, com enervação cerebral intacta. Após um tempo de tratamento, os pacientes conseguem gerar sensações e atos voluntários. Por semana, o hospital atende cem pacientes e cerca de 10 mil ao ano, encaminhados pelas Diretorias Regionais de Saúde. Os resultados indicam que os movimentos realizados pelos pacientes no tratamento, como a marcha bípede, melhoram a função cardiovascular e a reversão da osteoporose.
De acordo com o pesquisador, um paciente com trauma medular perde na tíbia, ou nos ossos longos em geral, 40% da massa óssea em um ano e meio após a lesão. “Uma mulher na pós-menopausa perde 20% disso, ou seja, o lesado medular perde em um ano o dobro do que a mulher perde ao longo da vida”, diz. Para ele, essas complicações associadas às consequências à saúde acometidas pelo trauma ainda viabilizam óbitos por lesão medular, principalmente por aqueles que não têm acesso às tecnologias. “A ocorrência de óbitos existe até hoje, e se deve à falta de acesso do paciente a serviços de atendimento.”
Entraves
“Temos ainda um déficit no número de programas de reabilitação oferecidos em relação ao número de pacientes”, avalia Daniel de Souza. Para o diretor clínico do Instituto Lucy Montoro, as equipes cirúrgicas e de pronto-socorro ainda não estão familiarizadas com os cuidados que deveriam oferecer aos lesados medulares. “Na fase inicial do tratamento, ainda não há uma preocupação para que os pacientes sejam encaminhados o mais breve possível para a reabilitação. A equipe que está atendendo esse paciente, mesmo que não tenha nada a ver com a reabilitação, é responsável por ele ser incluído no programa de reabilitação”, critica.
De acordo com o professor, muitos pacientes não recebem orientações de como prosseguir o tratamento e chegam às clínicas de reabilitação com diversos problemas. “O lesado vai para um hospital periférico e fica esperando atendimento. Se ele ficar muito tempo aguardando em cima de uma maca, ele pode ter uma ferida, que pode se formar em duas horas. Muitas vezes os pacientes ficam três dias para serem transferidos para um hospital no qual passarão por cirurgia de coluna”, avalia.
Em relação às pesquisas, muitas requerem implantes de aparelhos capazes de detectar informações dos comandos emitidos da coluna ou do cérebro, ou mesmo capazes de estimular a região neural, no entanto essas práticas são invasivas e prejudiciais aos pacientes. “Tem toda uma história de implantes para pacientes com lesão medular, injeção de estimuladores, que até os anos 2000 não foram bem-sucedidos em função de falha na tecnologia. (…) Ao longo dos anos houve acidentes que levaram inclusive à morte de pacientes”, explica Cliquet.
Sem um direcionamento claro dos inúmeros estudos na área, os institutos de reabilitação, como a Rede Lucy Montoro, ligada ao Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas de São Paulo, apostam em tecnologias complementares à terapia convencional. É o caso da robótica, que vem auxiliando nos processos de estimulação de movimentos para pacientes.
De acordo com Daniel de Souza, diretor clínico da Rede, para um paciente que tem possibilidade de andar é mais eficaz estimular a sua caminhada numa esteira, com auxílio de terapeutas, do que deixá-lo tentar andar sozinho. “A robótica vai conseguir dar uma qualidade de estímulo melhor do que o terapeuta. No futuro que eu imagino, o terapeuta será mais um planejador do que alguém que vai trabalhar com as mãos. Acho que vamos caminhar para isso”, completa.
Box
Até o momento, os pacientes são encaminhados para as clínicas de reabilitação por meio das Unidades Básicas do Sistema Único de Saúde. Na Rede de Reabilitação Lucy Montoro, os programas para lesado medular dependem do tipo de trauma, paraplegia ou tetraplegia. Em média duram de 6 a 8 meses, dependendo do caso.
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