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De uma cruzada a outra

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Por Thaís Viveiro

Professor da Saúde Pública ganha prêmio internacional com estudos sobre a desnutrição infantil e a obesidade crônica

Carlos Monteiro pensava em fazer Humanas quando adolescente, mas, como seu colégio só oferecia o ensino científico, acabou seguindo pelas Biológicas. Em outubro, 38 anos depois de formado na Faculdade de Medicina da USP, recebeu em Washington, perante ministros da saúde de diversos países, o prêmio Abraham Horwitz à Excelência em Liderança em Saúde Interamericana. “Acabei chegando onde queria”, conta Monteiro, lembrando que na Epidemiologia, área em que se especializou, trabalha em estreita colaboração com economistas. Reconhecido mundialmente por seu trabalho em desnutrição infantil, hoje o especialista se debruça sobre um dos maiores desafios que a sociedade brasileira, e o mundo, enfrentam na área da nutrição: a obesidade crônica. “A comida virou uma questão política importante”, afirma.

Ativo no movimento estudantil desde cedo, Carlos Monteiro, hoje professor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública, viu a medicina preventiva e a saúde pública como ferramentas para diminuir a desigualdade social. Seu interesse pela nutrição surgiu na época em que trabalhava como sanitarista no Vale do Ribeira, onde a desnutrição infantil era muito presente. Por 15 anos, dedicou sua carreira a essa problemática. “Trabalhei com alimentação infantil, amamentação, anemia, crescimento das crianças e vários outros problemas de desnutrição que o Brasil tinha e ainda tem – mas já bem menos.”

O professor pode afirmá-lo com tranquilidade. Entre 2006 e 2007, participou, junto com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e outros pesquisadores da USP, de uma pesquisa que analisou a desnutrição do Brasil. O trabalhou indicou que, em 10 anos, houve uma redução de quase 80 por cento de casos de desnutrição infantil no Nordeste, região que apresentava o quadro mais crítico do País. “A gente faz isso não só para saber a situação, mas para aprender.”  As análises dos dados indicaram o aumento de renda, o programa Bolsa-Família e a questão do aumento de escolaridade das mães entre os principais fatores que provocaram a queda. “Identificamos que, em menos de 10 anos, a desnutrição infantil pode estar erradicada no Brasil e mostramos o caminho para fazer isso: melhorar ainda mais a educação, diminuir a pobreza e aumentar o saneamento”, conta o professor, que, desde então, é constantemente convidado para apresentar seu trabalho pelo mundo. “A comunidade internacional ficou bastante interessada. Há um interesse em estudar o que o Brasil fez, para que o mesmo seja aplicado em outros países”, explica.

Professor Carlos Monteiro viu a saúde pública como ferramenta para diminuir a desigualdade

Uma nova cruzada

Vendo resultados positivos no combate à desnutrição, o professor agora se dedica ao problema da obesidade crônica, questão ainda longe de ser resolvida. Segundo estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, 46,6% da população brasileira apresentava excesso de peso em 2009 – e esse número só tende a crescer. “A minha cruzada atualmente é essa”, conta Carlos Monteiro, apontando os alimentos industrializados como os grandes responsáveis por esse fenômeno, não apenas brasileiro, mas mundial.  “Na receita desses alimentos está presente o objetivo de torná-los irresistíveis, levando as pessoas a consumi-los mais que o necessário.”

“Só educar não adianta. É uma causa perdida”, acredita o professor. Além de serem cada vez mais baratos, há toda a publicidade incentivando o consumo. Monteiro defende, então, a adoção de políticas públicas para vigiar a questão alimentar. No entanto, ações reguladoras esbarram em interesses econômicos e políticos, e a tendência é sempre postergar as medidas. “Luto pelas mudanças”, diz o professor, que, em seu discurso na cerimônia de recebimento do prêmio Horwitz, aproveitou para lembrar a questão. “O prêmio ajuda nisso. Nossas ideias ganham mais visibilidade. A gente quer vê-las em ação, sendo implementadas.” Ele e sua equipe estão hoje desenvolvendo uma nova forma de avaliar o consumo alimentar. Ao invés da classificação tradicional baseada na quantidade de nutrientes, ela partiria do grau de processamento industrial dos alimentos.

Carlos Monteiro, professor da Saúde Pública recebe prêmio em Washington

Criatividade e desafios

Carlos Monteiro ainda tem em sua memória os frutos do mar que comeu em viagem recente à Galícia. Lutar por uma alimentação mais saudável está longe de implicar um menor gosto pela comida. “Alimentação dá prazer”, afirma, sem culpa, o professor. Sempre em contato com a comunidade latino-americana e desenvolvendo estudos com instituições internacionais, o professor sai do Brasil três ou quatro vezes ao ano e aproveita para conhecer a gastronomia de seu destino. Admirador da forma como a criatividade é utilizada na arte – Carlos Monteiro gosta de acompanhar as novidades da música brasileira –, o professor lembra que invenção faz parte também da culinária. “Comida étnica é criatividade: é a solução encontrada por cada cozinha. A industrialização da alimentação é uma pobreza não só para a saúde, mas para a cultura.”

“Um dos meus hobbies é conhecer comidas diferentes, restaurantes diferentes, comer na casa de um amigo”, conta o professor, que tem duas filhas e três netos. Ele próprio, normalmente, não tem tempo para cozinhar, mas se aventura quando vai à praia. “Gosto de cozinhar peixe. Gosto de desafios.”

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