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Diferente dos EUA, no Brasil é proibida a remuneração a voluntários de pesquisa. O altruísmo e o próprio convívio com a doença fazem com que pessoas se tornem voluntárias no Hospital das Clínicas. Mas tanto ela, como os próprios pesquisadores devem estar cientes da lei e dos possíveis riscos na saúde.
Por Daniela Bernardi
Em 1998, o uruguaio Roberto Abadie estudava mestrado em Quebec (Canadá), quando decidiu voltar para o seu país de origem. Para isso, resolveu participar como “cobaia humana” (termo utilizado por ele) de duas pesquisas médicas – uma para tratamento de gastrite e outra para abrir o apetite em pessoas com câncer –, recebendo cerca de mil dólares. Mas após a morte da jovem Ellen Roche, em 2001, por consequências de uma pesquisa para tratamento de asma, Abadie decidiu escrever um livro sobre a vida dos voluntários em pesquisa nos Estados Unidos: The Professional Guinea Pig (termo em inglês para “cobaias humanas”). Nele, é contada a história de pessoas que se profissionalizaram como voluntários em pesquisas médicas; são desempregados, moradores de rua, artistas, estudantes, alcóolatras, drogados e até pessoas com problemas mentais – todos em busca de um salário; sem se preocuparem com as consequências.
Dra. Kátia Ortega coordena pesquisa do Ministério da Saúde que testa tratamento para hipertensos resistentes a medicamentos
Aqui no Brasil, a remuneração é proibida. “Podemos dar sanduíches ou passes de ônibus, por exemplo. Mas pagar voluntários é contra a lei”, explica Décio Mion, chefe do Centro de Pesquisas do Instituto Central do Hospital das Clínicas e professor da Faculdade de Medicina. Já para o presidente da Comissão de Bioética do HC e professor titular de Bioética da FMUSP, Cláudio Cohen, a lei deveria permitir a remuneração. “Isto acontece porque o Brasil é um país paternalista. Deveríamos ver o indivíduo como autônomo e capaz de decidir por si”, defende o médico, apesar de reconhecer que a maioria concorda com a proibição.
Então, o que atrairia voluntários no Brasil? Jaime* é voluntário no HC em uma pesquisa mensal que avalia o uso de um medicamento para pessoas com pressão alta resistente a remédio. Apesar de ter a doença desde criança, ele diz que ao se tornar voluntário pensou nos membros da família que também sofrem com a doença – ele já perdeu duas irmãs e os próprios pais por AVC (acidente vascular cerebral). “Pensamos na gente e também nos outros”, afirma João, outro voluntário da pesquisa.
Já Heródoto*, participante de uma pesquisa de cinco anos que testa se o uso de medicamentos para hipertensão e para colesterol diminui o risco em pessoas saudáveis a ter infarto e derrame, confessa que não pensou na ajuda da comunidade. “O HC é referência mundial de atendimento, participar da pesquisa é um modo de se conhecer e ajudar na prevenção de doença”, conta. Há dois anos, quando iniciou como voluntário, Heródoto sentia dores no peito e cansaço. Ele diz que hoje, participaria de pesquisas com riscos, mesmo sem remuneração.
O nefrologista Décio Mion é chefe do Centro de Pesquisas do Instituto Central do HC, o maior do Hospital
Para Mion, muitos voluntários se sentem confortáveis ao lado do médico, e por isso gostam de participar de pesquisas. Francisco*, pela primeira vez está envolvido em uma delas, a mesma de Heródoto. No ano passado, ele sofreu um pequeno infarto; mas graças ao encaminhamento dado por Kátia Ortega, médica que coordena a pesquisa, foi internado no Instituto do Coração (Incor). “Se não fosse por isso, não estaria mais aqui. Dá mais segurança saber que tenho acompanhamento médico”, desabafa Francisco, mostrando o cartão com o número do celular da médica.
Outra polêmica entre os comitês de bioética do Brasil é o uso do placebo (substância inativa). Antes proibido, agora ele pode ser utilizado para comparar grupos de pesquisas: os que fazem o tratamento com a molécula nova e os que tomam apenas cápsulas de açúcar, por exemplo. Para Cohen, essa forma de pesquisa deveria ser proibida. “Não é ético você deixar um doente sem tratamento para testar uma nova substância”, defende. A recomendação é que se utilize o tratamento-padrão para o grupo de controle, isto é: se forem testar uma nova molécula para tratamento de dor de cabeça, uma parte dos voluntários deve tomar o remédio vendido no mercado; e a outra, o novo medicamento. Assim, é possível compará-los e ver suas vantagens.
Como participar?
O presidente da Comissão de Bioética do HC Cláudio Cohen explica que a maioria dos pesquisadores considera que se houver remuneração, o indivíduo não seria capaz de entender completamente os riscos da pesquisa
Para o antropólogo Roberto Abadie, o fato dos voluntários se referirem como cobaias já denuncia uma certa desumanização durante os testes
Semanalmente, no site do HC, a newsletter do Hospital publica notas referentes a pesquisas que procuram voluntários. Qualquer um que se encaixe no perfil procurado pode se candidatar. Outro caminho, é entrar em contato com os próprios centros de pesquisas do HC e deixar o seu nome e telefone no cadastro.
Saiba mais sobre as leis que devem ser seguidas para a realização de pesquisas biomédicas.
* os nomes dos voluntários de pesquisa são fictícios