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Viver nas alturas

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Violências emanam de mais de uma fonte

 

Por Ana Luiza Tieghi

ReproduçãoAmado e odiado pelas mulheres, o salto alto tem apelo estético, mas também preocupa ortopedistas

 

Acessório que divide opiniões e símbolo de elegância, o sapato com salto alto possui usuárias fiéis e está acostumado a ouvir duras críticas de médicos ortopedistas.

Já faz tempo que esse tipo de calçado tem outras funções além de oferecer alguns centímetros a mais para as mulheres. Ele é usado para melhorar a postura, dar uma aparência mais profissional, feminina, sedutora. A altura se tornou apenas um detalhe. Mas que atire a primeira pedra aquela que nunca sofreu com dores nos pés e nas pernas após passar um dia todo em cima do salto, ou desejou ter trazido uma sapatilha quando quase caiu em uma calçada com buracos. Usar salto alto é também um desafio.

História do calçado

“A história do calçado com saltos altos remonta aos tempos da Idade Média”, afirma Cláudia Regina Garcia Vicentini, coordenadora do curso de Têxtil e Moda da EACH. Como conta a professora, os saltos altos eram utilizados pelos nobres para evitar que seus pés entrassem em contato com a sujeira presente nas ruas. Seus calçados eram fabricados com tecidos finos e ornamentados com pedrarias; já os camponeses, quando utilizavam sapatos, vestiam modelos feitos de materiais rústicos, como o couro. “O calçado, assim como outros tipos de adorno, era também utilizado para distinção de classes”, explica.

Os homens também usavam salto alto durante o reinado de Luís XV, na França, explicou Cláudia Regina

Os homens também usavam salto alto durante o reinado de Luís XV, na França, explicou Cláudia Regina

A história comprova que os sapatos com salto alto nem sempre foram exclusividade das mulheres. A professora da EACH conta que durante os reinados de Luís XIV, XV e XVI, na França, os homens também faziam uso de saltos, embora menores, e sapatos com bordados. Isso tudo fazia parte da moda da época, que era de ostentação da riqueza. O comportamento francês foi imitado em outros países, o que popularizou o uso do salto alto. “A França ditava a moda de comportamento nas cortes europeias”, afirma Cláudia.

Posteriormente, o calçado com salto alto passou a ser visto como um fetiche. A professora explica que isso se deve à “aura de altivez que configura ao corpo quando calçado e a aura de poder que está atrelado ao seu uso”. Cláudia afirma ainda que a associação do salto alto à sedução está atrelada também aos materiais usados na confecção do calçado, como o couro, e ao visual do produto, como o aspecto envernizado, as amarrações e o salto fino tipo “estileto”. Todos esses detalhes fazem parte do imaginário da mulher dominadora.

O salto alto pode causar dores, mas isso é um detalhe que suas usuárias fiéis preferem ignorar. É assim com Adevanir Tiago e Sandra Rodrigues, funcionárias da Superintendência de Saúde. “Quer me ver triste, me tira o salto alto”, afirma Adevanir. Ela conta que utiliza o sapato para trabalhar e comparecer a eventos sociais, mas que nos finais de semana prefere optar por calçados baixos, para descansar os pés. “O salto me deixa mais elegante, corrige a postura, mexe com a aparência e o jeito de andar.”

Cláudia Regina Garcia Vicentini é professora da EACH e afirma que o salto alto é um símboloda passagem para a vida adulta

Cláudia Regina Garcia Vicentini é professora da EACH e afirma que o salto alto é um símboloda passagem para a vida adulta

Sandra conta que usa sapatos com salto alto em qualquer situação: “Se pudesse, usaria todos os dias”.  Mas ela também afirma sentir dores nos pés quando faz uso do calçado, o que não a impede de continuar utilizando-o. “Acho bonito, é feminino e elegante.”

Ponto de vista médico

Se a dor causada pelos saltos altos não incomoda muitas mulheres, ela chama a atenção de ortopedistas. Alexandre Leme Godoy dos Santos é especialista em pés do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas (HCFM), e conta que calçados com saltos altos e finos podem trazer problemas aos pés, tornozelos, joelhos e coluna lombar.  “O uso excessivo e crônico desse perfil de calçado pode gerar repercussões negativas, como desequilíbrios musculares na musculatura do pé e tornozelo e também deformidades articulares nessa região”, explica.

Adevanir afirma não sentir dores quando usa salto alto. “A única coisa que dói é minha autoestima, quando não estou usando”, brinca. A funcionária explica que, além da altura do salto, é importante prestar atenção ao tipo de calçado e seu formato. “Tem que achar o sapato e a altura adequados para o seu conforto”, ressalta. Ela conta preferir o modelo scarpin, que se ajusta bem aos pés.

Quem usa salto alto e inadequado todos os dias pode até não sentir mais dores, mas isso ocorre porque o organismo aprende a lidar com aquela nova realidade. “Existe sempre uma adaptação do corpo humano a estímulos agressivos, ocorre compensação entre diferentes grupamentos musculares, tendões e aparelhos ligamentares no sentido de minimizar a agressão”, conta Godoy. Porém, após um longo período de tempo, o stress causado pelo sapato leva a um desequilíbrio mecânico, fadiga das estruturas anatômicas e resulta em deformidades ou lesões permanentes.

Especialista em pés do Hospital das Clínicas, Alexandre Leme Godoy dos Santos explica que o formato do sapato influencia em seu impacto no corpo

Especialista em pés do Hospital das Clínicas, Alexandre Leme Godoy dos Santos explica que o formato do sapato influencia em seu impacto no corpo

Como Adevanir já sabia, o tipo de calçado influencia em suas consequências para o corpo. Sapatos com a base muito fina e saltos muito altos geram instabilidade ao caminhar, o que aumenta a possibilidade de lesões nos ligamentos e entorses, além de forçarem a musculatura para compensar a instabilidade, gerando alterações nos tendões e músculos.

Mas é possível usar salto alto sem prejudicar o corpo. Godoy afirma que a altura recomendada para o salto usado diariamente é entre 4 e 5 centímetros. Para quem acha pouco, o médico lembra que o recurso da meia pata, a plataforma localizada na parte posterior do sapato, permite aumentar proporcionalmente a altura do salto recomendada para o dia a dia. Godoy ainda conta não haver limites para a altura do salto alto em eventos sociais, pois eles são esporádicos.

Segundo o ortopedista, o uso de sapatos com salto que sigam as características adequadas pode até mesmo trazer benefícios e contribuir para o tratamento de alguns problemas frequentes nos pés. Perguntado se um calçado totalmente plano é preferível ao salto alto, Godoy afirmou que o ideal é o meio-termo, principalmente se o sapato for de uso rotineiro, como os usados durante o período de trabalho.

Criança de salto?

 

As funcionárias Adevanir Tiago e Sandra Rodrigues usam salto alto no trabalho e em eventos sociais

As funcionárias Adevanir Tiago e Sandra Rodrigues usam salto alto no trabalho e em eventos sociais

“Ganhar um sapato de salto alto é, para a mulher, a passagem para a vida adulta, quando deixamos de brincar com os sapatos da mãe e passamos a possuir o nosso”, conta Cláudia. Segundo a professora, o salto alto possui um simbolismo de amadurecimento.

Com tanta carga emocional atrelada ao produto, não é de estranhar que a indústria de calçados e a publicidade queiram seduzir as crianças com o salto alto e a promessa da vida adulta idealizada. “A moda atual tem transformado as crianças em miniadultos”, afirma Cláudia, “e isso é extremamente ruim, tanto do ponto de vista ergonômico quanto psicológico”.

O uso de salto alto altera a forma com que o peso corporal é distribuído nos pés

O uso de salto alto altera a forma com que o peso corporal é distribuído nos pés

É comum encontrar sandálias infantis com um – nem sempre pequeno – salto alto. Como a configuração do sapato de salto não permite movimentos rápidos com segurança, as crianças que usam esse tipo de calçado se privam de correr e brincar, como deveriam fazer. “Na faixa etária pediátrica o ser humano deve ser exposto a estímulos adequados a essa idade; a antecipação dos estímulos sensitivos, emocionais, educacionais e de vestuário deve ser muito bem ponderada para não gerar repercussões negativas”, afirma Godoy, que considera o uso do salto alto em crianças “absolutamente desnecessário”.

 

 

 

 

 

 

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