Seminário organizado pelo Centro de Preservação Cultural da USP debate a questão do reconhecimento dos bens culturais Na próxima semana, nos dias 26, 27 e 28 de maio, o Centro de Preservação Cultural (CPC) da USP, instalado na Casa...
Marco Antonio Zago
(Especial para a Revista Espaço Aberto)
A USP completa 80 anos, se considerado o decreto de sua organização formal de 25 de janeiro de 1934. Suas origens, no entanto, são centenárias e remontam à criação da Faculdade de Direito em 1827, seguida das cinco outras escolas profissionais que, aglutinadas com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, instituída pelo mesmo decreto, constituíram o núcleo inicial da USP.
Uma característica surpreendentemente moderna daquela universidade nascente era a diversidade intrínseca de sua missão. Devia ser, ao mesmo tempo, escola de formação profissional de elevada qualidade; instituto de pesquisa de ciências, letras e filosofia; local de formação das lideranças intelectuais, e de criação, compreensão e transmissão da cultura.
As universidades existem para prover educação superior de excelência às novas gerações e para promover a pesquisa, entendida no sentido mais amplo, ou seja, a investigação experimental e tecnológica, a pesquisa dos problemas humanos como o exame das questões econômicas, políticas e sociais, as dimensões acadêmicas ligadas às manifestações culturais e artísticas, entre outras, estendendo seus resultados à sociedade.
Uma universidade de alto padrão acadêmico como a USP não pode, no entanto, tratar suas duas missões tradicionais, o ensino e a produção intelectual, como dois compartimentos independentes, mas devem ser desenvolvidos de forma articulada: por exemplo, não é possível ser forte em pesquisa e fraco no ensino.
Pela natureza de sua missão e de seus interesses, as universidades são entidades que transcendem as fronteiras nacionais. Tratam de questões que são valorizadas em todas as culturas, em todas as nações e nas mais diferentes épocas. Mas é preciso ressaltar que não se alcançará a internacionalização por meios burocráticos ou artificiais. Somente universidades reconhecidas como centros de conhecimento atrairão os jovens de nosso mundo globalizado. Assim, internacionalização é um componente de excelência acadêmica.
A última década fortaleceu o reconhecimento da chamada “terceira missão” das universidades, que inclui todas as relações das universidades com seus parceiros não acadêmicos. Divergindo da característica transnacional do ensino e da pesquisa universitários, a “terceira missão” fortalece o vínculo com as comunidades locais e regionais, expostas hoje a mudanças rápidas ou inesperadas, como a globalização, mudanças climáticas, incertezas econômicas e rápidas transformações tecnológicas.
A implantação dos campi da USP em Ribeirão Preto e São Carlos, por exemplo, teve um enorme impacto na dinâmica e economia regional. Esperamos que o mesmo ocorra com Lorena, USP Leste e Santos.
A relevância das universidades brasileiras será determinada pela sua capacidade de responder criativamente aos desafios dos problemas emergentes no cenário atual. A USP não se furtará às suas responsabilidades. Mas há que reconhecer que ela encontra-se hoje sob fortes pressões originadas de fora e de dentro dela mesma. De um lado, a Universidade precisa reagir vigorosamente à legítima expectativa da sociedade de uma resposta às crescentes demandas sociais. De outro lado, passamos por um desequilíbrio financeiro que pode pôr em risco nossa autonomia.
Mas a mais grave das ameaças é a corrosão do tecido mesmo da Universidade, tanto por movimentos de protesto, que se degeneram em agressões ao patrimônio e às pessoas, como pela intolerância ao diálogo.
Temos que reagir, temos que enfrentar esses desafios. Primeiramente, aumentando a contribuição da USP para a sociedade paulista; nós precisamos fazer mais e melhor. Temos que melhorar a qualidade e reduzir a evasão de nossos cursos de graduação. Precisamos reavaliar o sistema de acesso e acompanhar com atenção o progresso da inclusão social e racial, construindo as intervenções que forem necessárias.
As questões ambientais do campus da USP Leste têm de ser resolvidas, para dar oportunidade a que o projeto da EACH e outras unidades a serem implantadas lá possam realizar a meta de integração com aquela região. Da mesma forma, os campi de Lorena e Santos precisam se consolidar.
Precisamos ampliar nossa relação com os setores produtivos e governamentais, participar da articulação e implantação dos parques tecnológicos.
Em segundo lugar, vamos modificar radicalmente a gestão de recursos financeiros, reformar e modernizar a administração para valorizar as atividades-fim.
A gestão comedida de recursos financeiros restritos nos obrigará à sobriedade administrativa e à avaliação conjunta das nossas prioridades, privilegiando a promoção de atividades acadêmicas e de recursos humanos em relação à expansão de obras físicas.
Finalmente, temos compromisso com a revisão da governança da Universidade. Por isso, assumimos o compromisso de repactuar as relações no âmbito da Universidade, de forma a aumentar a agregação interna, trazendo o diálogo, e não mais o confronto, para o centro da vida universitária, numa forma de democratização que avance muito além do mecanismo de escolha do reitor. O processo de desconcentração do poder já se iniciou, com a reformulação do orçamento e de sua execução com ampla participação dos diretores e dos colegiados.
Conforme decidido em reunião do Conselho Universitário, em 11 de fevereiro, no próximo dia 25 de março, o mesmo Co se reunirá para dar continuidade à discussão das reformas que visam adequar a USP aos tempos atuais.
Adicionalmente a essas medidas, nossa tarefa permanente e urgente é a reconstrução das relações entre estudantes e professores, em todas as suas dimensões. Esta será a base da mudança que ocorrerá na USP. Não podemos esquecer que somos, acima de tudo, educadores, e seremos julgados pelo êxito que alcançarmos nessa missão. Os jovens que formaremos vão atestar se a USP, quando se aproxima de seu centenário, está realmente cumprindo sua missão, como sonharam seus fundadores.
Marco Antonio Zago,
Reitor da USP
Professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto