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A Congada e sua raiz africana

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TV USP apresenta série de sete documentários, com cerca de 25 minutos de duração cada, que narra a Congada em diversos aspectos

Por Jéssica Camargo Stuque

Interessado na Congada, a partir de um texto, Eduardo Kishimoto resolveu aprofundar a pesquisa sobre o tema, convidando o especialista Giovanni Ciniro, que também fez do assunto o seu mestrado em Etnomusicologia (estudo da música de diferentes culturas). Por ser uma das Congadas mais longas – possui três bailes com cerca de 40 a 60 minutos cada –, optou por estudar a Congada da Ilhabela, que é apresentada durante a Festa de São Benedito e que hoje está inserida na Semana de Cultura Caiçara. O enredo da Congada apresenta o embaixador (filho) e seu exército vermelho invadindo o Reino do Congo, governado pelo rei (pai), de exército azul, pois descobre que o pai se encontra doente e quer tomar seu lugar, como filho primogênito, no trono. A luta entre pai e filho se torna uma luta entre as diferentes religiões dos familiares.

O trabalho resultou na série de documentários Sobre a Congada de Ilhabela, produzida pela TV USP, com direção e roteiro de Eduardo Kishimoto, tendo Giovanni Cirino como corroteirista. Colaboram na pesquisa renomados pesquisadores da USP, como Vagner Gonçalves da Silva (antropólogo especializado em religiosidade afro-brasileira), Mourivaldo Santiago (do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas), além da pesquisadora portuguesa Ana Pereira, que auxiliou na pesquisa de documentos históricos obtidos na Torre do Pombo, em Portugal. Durante muitos anos, os congueiros de Ilhabela acreditaram se tratar de uma batalha entre mouros e cristãos, mas a série de documentários procurou resgatar a raiz africana da encenação com os congueiros.

Diversos documentos históricos – principalmente cartas trocadas entre reis de Congo e Portugal, que tratam do período do tráfico de escravos e da cristianização de africanos – foram levados aos congueiros. Através da leitura, muitos deles estabeleceram diversas relações com o enredo da Congada. “Só de os africanos terem sofrido esse aculturamento, essa mudança de cultura, isso já é um mal”, disse João Batista Dias, carnavalesco de Ilhabela. Dona Dedé acredita que os congueiros “foram inventando as histórias para ficar de acordo com as histórias dos reis da África”. Para Renivaldo, descendente de um antigo rei do Congo, a Congada “é uma fixação da cultura (…) dos negros”.

Com início em 2004, a pesquisa se estendeu até 2010 e o material, que vem sendo editado há dois anos, está pronto para ser exibido no Canal Universitário de São Paulo (CNU). Além de conter gravações dos bailes da Congada em Ilhabela (2004), a série aborda outros assuntos que surgiram à medida que a pesquisa se aprofundava. Em maio de 2010, a série foi exibida para a comunidade da ilha, podendo colher impressões e sugestões. A partir do trabalho é possível ver que congueiros são bastante respeitados na ilha, e a escolha dos reis, rainhas e personagens da Congada é feita com muita tradição. Não é qualquer pessoa que pode atuar naquele lugar. São Benedito – o santo negro – é evocado a todo momento na encenação é o santo que recebe mais devoção na ilha.

A série – Sobre a Congada de Ilhabela apresenta sete documentários, que possuem cerca de 25 minutos de duração e narram a Congada em diversos aspectos. O primeiro, Formas do Olhar, se inicia com falas de Iracema França Lopes – mais conhecida como Dona Dedé –, folclorista que escreveu A Congada de Ilhabela na Festa de São Benedito, o texto-base para a encenação. Vinho e Farinha trata principalmente da comunidade negra de Ilhabela que participa da preparação da Ucharia e da Missa Afro. Em uma volta no tempo a partir da carta de 1526 – em que dom Afonso I (rei do Congo) pede a dom João III (rei de Portugal) que envie apenas vinho e farinha para o país. Mas já avisa, que o envio desses alimentos não era feito por bondade, mas para agradar: “Agrada com a farinha e com o vinho, e desagrada trazendo os escravos como mercadorias”.

Em O Retorno, o descendente da família de Paulino, família da qual pertence o primeiro rei de Congo que trouxe a Congada para Ilhabela, retorna após ter ficado 50 anos afastado. Família Congo traz depoimentos de famílias que auxiliam nos preparativos da Congada, como as roupas, a bandeira, a consertada (bebida servida no início da festa) e a marimba. Representantes de diferentes religiões – um arcebispo católico e uma ekede de Candomblé Angola – além de um carnavalesco e um participante de Congada, a partir de documentos históricos, comentam o violento processo de cristianização dos africanos em Cristãos contra Pagãos. Contexto e Desterro narra como o sítio arqueológico do bairro de São Francisco, em São Sebastião, pode ter funcionado como entreposto comercial de tráfico de escravos e conta como se desenvolveu a Congada do Bairro, semelhante à de Ilhabela. Por fim, Reinados trata do retorno de filhos de antigos reis do Congo que voltam a participar da Congada e traz o depoimento do organizador da Ucharia e de jovens que incorporaram a rainha.

Espera-se que o trabalho seja exibido em território nacional, em Portugal e em países africanos de língua portuguesa e que seja utilizado em salas de aula, contribuindo para debates acerca de temas como a colonização portuguesa, escravidão, cristianização, sincretismo religioso, religiosidade afro-brasileira e festas populares. Além de serem exibidos no CNU, os documentários integram o DVD homônimo duplo, que contém legendas em português e inglês e que será distribuído gratuitamente – são cerca de 300 cópias que serão doadas para os congueiros e apoiadores da série, escolas públicas, bibliotecas e acervos da ilha, jornalistas, pesquisadores, núcleos de pesquisa e bibliotecas de universidades de todo o País.

Sobre a Congada de Ilhabela será exibido aos sábados, às 21h, no CNU que pode ser acessado através dos canais 11 da Net, 71 da TVA e 187 da TVA Digital; as apresentações dos demais acontecem na sequência, sempre aos sábados, com reprises na semana seguinte (segundas, à 1h30, terças, às 18h30, e quintas, às 10h).

Um comentário sobre “A Congada e sua raiz africana”

  1. Época memorável as apresentações de Congadas. Na cidade de Socorro, São Paulo, apresentavam-se grupos maravilhosos e evidenciavam as alegorias com danças; cânticos e acordes tirados de violas. As apresentações eram por ocasião das Festas de Agosto. As apresentações eram requisitadas e solicitadas por muitos municípios. – Interessante: Tudo era realizado com as finanças próprias. – Vinham da Zona Rural e causavam orgulho em todos pela dedicação e arte. Não deviam nada a nenhum político.

    Tinha até uma piadinha que os jovens da época faziam ao se referir a algum tipo que chegava na cidade, -Olha lá, esse veio junto com a Congada-Com todo o respeito é claro.

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