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O mal da modernidade também pode atingir crianças

A depressão é diagnosticada em pacientes cada vez mais jovens

Por Amanda Previdelli

Não são raros os momentos durante a vida em que uma pessoa usa a expressão “estou deprimida”. A depressão tem um sentido coloquial bastante comum que equivale a uma série de sentimentos como tristeza e angústia. Mas passar o dia inteiro “deprimido” não é a mesma coisa de se ter o transtorno depressivo.

Apesar de ser uma doença mais comum entre adultos, Lee Fu-I, que é médica supervisora da psiquiatria infantil no Hospital das Clínicas, conta que “há alguns estudos de iniciativa de universidades para determinar a ocorrência de depressão em crianças. Segundo essas pesquisas, feitas em cidades de médio porte, havia de 1% a 2% de crianças que poderiam ser diagnosticadas com depressão clínica. E de 8% a 15% com sintomas depressivos”.

A médica Lee Fu-I

A médica Lee Fu-I

Segundo Lee, “a depressão clínica é um termo médico que descreve um estado do qual o paciente não consegue se livrar sozinho. Ele é caracterizado por desânimo, tristeza, falta de vontade de fazer as coisas, distúrbio de sono, com o sono quebrado e apetite alterado”. A psiquiatra explica que os sintomas e, principalmente, a intensidade de cada sintoma, variam de acordo com o paciente: “A pessoa pode chegar a achar que a vida não vale a pena e aí vem a reação suicida. Mas é sempre esse estado de humor básico que prejudica a vida cotidiana”, diz.

A médica explica que a doença possui uma carga genética, ou seja, algumas pessoas têm mais predisposição de desenvolver um quadro depressivo. A carga genética, porém, tem de estar aliada a um fator ambiental: “Quanto maior a carga, menor é o episódio necessário para desencadear os sintomas. Pode ser desde o divórcio dos pais até viver em um país em guerra”, conta Lee.

Conhecido como o “mal da modernidade”, o transtorno será a doença que causará as maiores perdas (como mortes e faltas no trabalho) para a população entre todos os problemas de saúde até 2030, de acordo com estudos do Departamento de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde. Lee explica que “a depressão é a segunda maior causa de falta no trabalho no mundo. Acredita-se que 30% da população adulta pode ter ao menos um episódio de depressão na vida”. No Brasil, estima-se que 17 milhões de pessoas apresentem o transtorno. Dados de um levantamento feito pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em 2007 apontam 74.418 trabalhadores naquele ano que foram afastados de suas atividades por causa da depressão.

No Hospital Universitário, o coordenador do serviço de psiquiatria, dr. José Luiz Pacheco, conta que “as depressões são os transtornos de maior frequência dentro do serviço psiquiátrico. Representam 48,5% do total de atendimentos. A idade média dos casos portadores do diagnóstico é de 42 anos, mas também são atendidas crianças com sintomas depressivos que, não raramente, recebem o diagnóstico de depressão”.

Pacheco explica que o diagnóstico do transtorno é feito principalmente a partir da fala do paciente: “É utilizado um modelo da entrevista psiquiátrica tradicional. É importante a história clínica do paciente, os antecedentes pessoais e hereditários, além de exames complementares, que ajudam no diagnóstico. A partir de então, determina-se a conduta adequada para o caso estudado”. Lee conta que “é muito importante o próprio indivíduo descrever o sofrimento emocional, que é algo subjetivo. A criança tem mais dificuldade em falar sobre isso, portanto temos de observá-la. Da mesma forma que o adulto tem uma queda de eficiência, as crianças também se mostram diferentes”.

“Mesmo que pareça absurdo alguém tão jovem ter depressão, a gente tem de ficar atento. Uma criança que passa o dia inteiro na frente da televisão, vendo qualquer programa desde futebol, noticiário e até desenhos, sendo que ela era alegre e gostava de brincar e também na escola tem queda de rendimento, sendo que nada lá mudou, você tem de desconfiar do que está acontecendo”, alerta a psiquiatra.

A depressão é um transtorno que pode ter seus sintomas agravados caso não seja tratado. O mesmo vale para as crianças. Por mais que seja difícil para os pais aceitarem que algo assim possa estar acontecendo com seus filhos, eles não podem desvalorizar comportamentos. “Ás vezes a criança sofre, mas a mãe explica que o filho é feliz quando joga bola. Mas se ele é feliz durante aquela uma hora e depois triste, aí também há um problema”, conta Lee. A doutora também fala que muitas vezes é a professora quem repara mais nas mudanças: “Nos casos em que os pais ficam apenas poucas horas do dia com os filhos, nessas horas as crianças podem disfarçar a tristeza, ou então aqueles são momentos especiais mesmo”.

Uma criança que não recebe o diagnóstico e o tratamento pode ter sequelas para a vida toda. Há prejuízo no aprendizado e no crescimento dela, além de ela poder chegar a ter pensamentos suicidas. “As crianças têm a vontade de não estar nesse lugar e essa vontade pode evoluir para ideias de suicídio”, explica. De acordo com a médica “a criança tem a ideia, mas executa pouco. Já o adolescente executa mais. Ambos associam morte com algo trágico, então geralmente se eles forem tentar, buscam métodos mais violentos. Existe a suspeita de que alguns acidentes domésticos são formas de a criança se suicidar, mas eu acho que não são tentativas. Acidentes domésticos geralmente ocorrem com crianças por descuido dela, porque ela acha que não vale a pena tomar tanto cuidado. Não é um ‘eu quero morrer’, mas sim um ‘a vida não vale a pena’”, conta.

A psiquiatra explica que existe tratamento para as crianças e que casos de suicídio são extremamente raros: “No suicídio há o planejamento e se o paciente está com a gente nós conseguimos graduar e impedir esse aumento”, diz. Um episódio depressivo na infância pode ser tratado e o paciente pode viver uma vida normal. Veja aqui mais sobre o tratamento de depressão em crianças.

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