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“O destino das pessoas é a própria vida”
Por Gustavo Paiva
No ano de 1963, a professora Riva Moscovici da Cruz foi a primeira mulher a se doutorar pelo que, na época, era a Faculdade de Odontologia e Farmácia da Universidade de São Paulo. Sua tese, na qual trabalhou com síntese de alcapironas para serem empregadas em medicina, rendeu-lhe o título de doutora em Química Orgânica e introduziu no Brasil o método microanalítico, que permitiu a descoberta do princípio ativo de muitas plantas utilizadas pelos índios para fins medicinais, além de permitir grandes avanços na ciência brasileira.
“Eram plantas que os índios usavam para determinado fim e diziam, isso é bom para uma determinada coisa. A gente extraía a substância da planta e depois começava a fracionar até encontrar o princípio ativo, aquele que atuava em determinada doença. Não era sempre de acordo com o que os índios pensavam, mas era um ponto de partida.”
Riva nasceu na Romênia, fronteira com a Rússia. Com três anos de idade, mudou-se com a família para o Brasil. Os pais, de origem judia, buscavam trabalho e melhores condições de vida para criarem Riva e seus outros dois filhos. Ao chegar em São Paulo, a família mudou-se para o Bom Retiro, onde se concentrava a colônia judaica. “Meu pai e minha mãe foram muito bem recebidos e acolhidos para procurar o que fazer e aprender a língua. É verdade que o romeno é uma língua latina, de modo que não é difícil.”
Os pais encontraram emprego. Os sonhos de melhores condições de vida, porém, se frustraram: “Eles continuaram pobres até morrer”. A professora conta que, “mesmo pertencendo a uma família de classe média, pelos costumes, e classe média baixa, pelo poder econômico, meus pais queriam que os filhos tivessem um bom nível cultural, pelo menos”.
Foi assim que Riva concluiu o ensino médio e buscou uma profissão. “Com 16 anos, raras são as pessoas que sabem o que vão querer fazer na fase adulta. Assim, a decisão baseou-se nas possibilidades que eu teria para conseguir uma profissão. Isso significa que a escolha já veio pronta. Não se cogitou a vocação. Cursando a Faculdade de Farmácia da USP, haveria a possibilidade de enfrentar o custo – era gratuita – e o tempo necessário – curto, cinco anos – para realizá-la, a fim de logo poder ganhar a vida.”
“Apesar de tudo, fiquei muito contente de cursar Farmácia. Gostei e me interessei pelo que estava fazendo. Ainda mais porque as férias eram grandes e permitiriam que eu pudesse ter algum rendimento para ajudar em casa, trabalhando como secretária ou dando aula para estudantes com menos preparo. Foi o que eu fiz.” À época a Faculdade de Farmácia era no Bom Retiro, perto de sua casa, o que diminuía gastos com condução e, embora não pudesse comprar livros, isso não atrapalhou sua formação: “Usava-se muita apostila, a gente fazia muita anotação na aula e tinha biblioteca”.
Nas férias e nas horas vagas, Riva aproveitou para estudar línguas, como o francês, que lhe seria muito útil no futuro. “Fui uma aluna razoavelmente boa. Tive bons professores na sua maioria e o ambiente escolar, juntamente com os colegas, era bom. Durante o curso, alguns professores me conheceram melhor.” Foi por intermédio de um deles, Quintino Bingóia, que ela conseguiu seu primeiro trabalho como farmacêutica em um laboratório.
Após alguns anos, o mesmo professor, então diretor do laboratório da faculdade, lhe deu a chance de fazer um curso que não era ministrado no Brasil. “Achei que estava com muita sorte e vencendo obstáculos. Poder fazer, em 1952, mulher, em condições desfavoráveis, um curso na Europa.” Riva ingressou como aluna da Universidade de Genebra, na Suíça, onde começou a estudar a microanálise e publicou alguns trabalhos sobre o assunto em revistas nacionais e estrangeiras.
No final dos anos 50, já de volta ao Brasil, foi convidada para ser professora assistente no Instituto de Química da Universidade de São Paulo e com isso veio a ideia de fazer um doutorado. A professora partiu para um novo curso em Genebra, onde desenvolveu o tema de sua tese. O trabalho foi realizado com o Instituto de Química Agrícola do Rio de Janeiro e em seguida nos Estados Unidos, na Universidade Stanford, na Califórnia, e Universidade de Urbana, em Illinois.
“Neste ínterim, passei a trabalhar com o enfoque mais preciso em microanálise quantitativa. Com isso, abriu-se o caminho para essa prática em outros laboratórios brasileiros, estudando substâncias desconhecidas, para elucidar suas estruturas, tendo em vista seu emprego na medicina. Por aí verifica-se que o destino das pessoas é a própria vida. O doutoramento realizou-se a contento de todos e conquistei o cargo de doutora em química orgânica.”
A prática da microanálise difundiu-se em vários centros universitários brasileiros e também em laboratórios farmacêuticos particulares. Riva lembra como era improvisado e requisitado o primeiro equipamento que montaram aqui no Brasil. Algum tempo depois descobriram que o aparelho era fabricado por uma empresa americana e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas também montou um. “Hoje o equipamento tornou-se bem mais sofisticado”, conta.
Riva casou-se em 1964 com Henrique Júlio Moscovici da Cruz, com quem teve um filho. “Sou avó de duas crianças com quem alegremente vivencio o resto da minha vida.” A professora aposentou-se da USP aos 77 anos, buscando, então, desenvolver alguns interesses deixados em segundo plano. Foi assim que por algum tempo trabalhou num antiquário e começou a fazer aulas de piano. “Tenho muitos interesses por música, artes. Procuro manter-me viva, física e mentalmente.”
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