Seminário organizado pelo Centro de Preservação Cultural da USP debate a questão do reconhecimento dos bens culturais Na próxima semana, nos dias 26, 27 e 28 de maio, o Centro de Preservação Cultural (CPC) da USP, instalado na Casa...
Por Clara Roman
“Virei alcoólatra e descobri que tenho uma doença que é física, mental, emocional (…). Virei alcoólatra e deixei de ser bêbada, cachaceira, mau-caráter, sem vergonha, fraca, vagabunda (…)… enfim, deixei de ser todos os personagens que havia criado para mim e que todos acreditavam – ou fingiam acreditar.” Depoimento de Sílvia, publicado na Revista Vivência, do Alcoólicos Anônimos.
Segundo dados do II Levantamento Domicilar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, realizado pelo Cebrid da Unifesp, aproximadamente 12% da população brasileira é dependente do álcool. Além dos danos físicos, o alcoolismo também destrói a saúde psicológica e espiritual do dependente.
O Alcoólicos Anônimos é uma irmandade que tem ajudado muitas pessoas a saírem da situação danosa que o alcoolismo proporciona. Surgiu nos Estados Unidos, calcada na doutrina protestante e possui uma inserção monumental no Brasil. São 5.000 grupos no País, 200 deles na cidade de São Paulo. Edemilson Antunes de Campos, autor do livro Nosso Remédio é a Palavra (Fiocruz, R$ 25,00) e docente do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), atribui esses números à flexibilidade da metodologia do AA para se inserir em contextos diferentes, além dos baixos custos de realização dos encontros.
O processo de tratamento da irmandade se baseia em reuniões semanais com aqueles que se consideram alcoólatras. Reunidos em espaços cedidos, como paróquias, os membros trocam experiências. Não há acompanhamento psicológico profissional. “O grupo Alcoólicos Anônimos tem apresentado ótimos resultados na melhoria de dependentes alcoólicos. Nem sempre é necessário tratamento médico para a recuperação,” comenta Ricardo Amaral, médico do Progrea (Programa Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas) do Instituto de Psiquiatria do HC. O Progrea atende pacientes com todo tipo de dependência química, mas seu maior público é de alcoólatras.
Uma das principais ideias do grupo é a da conquista diária da sobriedade. Os alcoólatras do AA não prometem que nunca mais vão beber e sim que não darão nenhum gole de álcool nas próximas 24 horas. Assim, não frustram as expectativas de familiares, de amigos e de si mesmos.
O professor da EACH Edelminson Antunes de Campos enveredou-se pela antropologia para analisar a irmandade. Ele desejava realizar um estudo de campo etnográfico e o tema possibilitava esse tipo de pesquisa. Dessa forma, passou a coletar experiências dos AAs em grupos da zona leste de São Paulo, em especial no grupo de Sapopemba, que é bastante desenvolvido.
Os núcleos estão espalhados por toda cidade, inclusive em regiões ricas. Segundo Campos, a partir desse dado é possível constatar que a dependência alcoólica atinge todas as classes sociais e mesmo gêneros, pois são muitas as mulheres que procuram a instituição. Mesmo assim, o contexto social dos frequentadores ajuda a compreender o processo.
Segundo o AA, o alcoolismo é uma doença da família, ou seja, não é prejudicial apenas a quem bebe, mas a todos que convivem diretamente com ele. E é justamente no ambiente familiar que o homem se reconhece como pai, esposo, chefe de família. O alcoolismo atinge diretamente esse vínculo, pois torna o sujeito incapaz de se manter como provedor do lar. Essa perda é recobrada no momento em que ele controla o alcoolismo e volta a exercer o papel de sujeito trabalhador, que sustenta a casa. Esse processo ocorre também com as mulheres, que se veem destituídas do papel de mãe. “Não é algo que a pessoa possa controlar pelo desejo dela. Muitas vezes, depois de sofrer modificações no organismo as pessoas ficam com dificuldade para decidir o que consumir e perdem o controle”, afirma Amaral, especialista do Progrea.
A associação considera que a dependência alcoólica é uma doença incurável. O alcoólatra é um doente que precisa de tratamento constante. Segundo Amaral, a dependência pode estar associada a outras patologias, multas vezes de caráter emocional, como transtornos de personalidade (depressão, ansiedade, etc). Uma vez diagnosticadas, elas perdem todos os estigmas que a bebida lhe fornecia até então: cachaceiro, irresponsável, etc. É nesse momento que se tornam capazes de recobrar seu papel social.
“O AA nega qualquer vínculo religioso, mas utiliza-se de seu código. Os evangélicos pentecostais, por exemplo, acreditam que o alcoolismo é fruto de uma força demoníaca, ” diz Campos. O AA trabalha com a ideia de força superior. O indivíduo que se entregar a ela conseguirá se libertar do consumo do álcool.
Apesar de colocar na pessoa o peso da escolha de procurar o AA, de se assumir alcoólatra e de continuar frequentando, a irmandade atribui muita força ao grupo. “As reuniões constroem uma memória coletiva, da sociabilidade perdida com o álcool e restituída com a sobriedade.” Paradoxalmente, a alta aceitação cultural da bebida, os preços baixos e a grande disponibilidade e acessibilidade são os fatores apontados pelo Progrea para os altos níveis de alcoolismo no Brasil. Dessa forma, ao mesmo tempo que a bebida é um elemento altamente social, a dependência destrói a convivência do indivíduo com outras pessoas.
Esse fator coletivo e anônimo dos núcleos, somado à presença da força divina e superior, evita o egocentrismo do alcoólatra depois da superação. Sua vitória é conquista de um todo, não é apenas sua.
Campos destaca que o modelo é seguido para outros tipos de vícios como os Narcóticos Anônimos e as Mulheres que Amam Demais Anônimas. “O indivíduo contemporâneo não dá conta da liberdade concedida a ele e se descontrola,” aponta Campos como uma das razões da proliferação dessas irmandades, em especial do AA. Em contrapartida, o grupo restituirá a dimensão do coletivo perdida na modernidade. “A irmandade é uma possibilidade de encontro.”
Alcoólicos Anônimos
Site oficial: www.alcoolicosanonimos.org.br/
Site com localização dos grupos em São Paulo:
Progrea
-Para atendimento, o paciente deve ligar no número 3069-6960, das 8h às 16h
-Condições: maior de 18 anos e morador de São Paulo-SP
-Os serviços são oferecidos de acordo com as vagas disponibilizadas para as pesquisas
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