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Semana a semana, tardes sóbrias e agitadas

Por Clara Roman

Às terças à tarde, o Progrea, ou Grea, possui bastante movimento, pois é o período do ambulatório. Os  pacientes são atendidos em sessões individuais e coletivas. Medicamentos são recomendados e revistos e os frequentadores anunciam mais uma semana sem nenhuma recaída. Às 13h, é realizado um encontro do grupo Alcoólicos Anônimos em uma das salas do instituto.

Matheus (nome fictício) frequenta o hospital há dois anos, mas está sem beber há apenas cinco meses. “Minha vida está começando a entrar no eixo de novo. Os meus colegas de trabalho estão recuperando a confiança em mim. A cada recaída é necessário iniciar o processo novamente.”

Aos 15 anos já bebia. Quando começou a trabalhar, aos 25, ia ao bar todos os dias depois do expediente. Nunca havia tido problemas, até perder o controle, aos 34 anos. Não conseguia consumir apenas cerveja, nem se moderar. Faltava ao trabalho. “Um dia, voltava para casa completamente embriagado e perdi o controle da direção do carro. Bati em um poste. Quase morri.”

Hoje, ele está sob medicação, como muitos outros pacientes do instituto. Os remédios são utilizados para combater a ansiedade, os sintomas da abstinência e outros problemas de ordem químico-física dos dependentes. “Beber enquanto se está tomando remédio gera um mal-estar muito grande. Isso me faz pensar duas vezes antes de tomar um gole”, conta.

Matheus já frequentou mais de um grupo do AA. “É bastante parecido com os grupos do Grea, mas tem mais gente. Cada um conta sua história, reparte sua vivência.”

Narcóticos anônimos: mais um dia limpo

A casa grande, com uma praça arborizada aos fundos, abriga diversos grupos da irmandade dos AA. Localizada em bairro nobre de São Paulo, a construção não aparenta ser palco de tantos conflitos e superações. À primeira vista, emana tranquilidade.

Uma placa na entrada indica os horários das sessões de cada núcleo. São realizadas reuniões dos Alcoólicos Anônimos, Familiares Anônimos, Mulheres que Amam Demais Anônimas e Narcóticos Anônimos.  Todos eles possuem os mesmos princípios.

O Narcóticos Anônimos, em especial, reúne dependentes de álcool e outras drogas.        Os encontros duram duas horas e são  coordenados por qualquer membro do grupo  que esteja “limpo” (gíria que significa “sem usar  drogas”) há no mínimo 90 dias. Os presentes  dizem seu nome e há quanto tempo não  consomem tóxicos.  Então, proferem a Oração da  Serenidade: Deus, conceda-me Serenidade para  aceitar as coisas que não posso modificar,  Coragem para modificar aquelas que posso e  Sabedoria para reconhecer a diferença, Só por  Hoje.

Por meio de votação, decidem qual será a  literatura da sessão, que é lida em voz alta por alguns membros. São vários textos, como Bem-vindo aos Narcóticos Anônimos, Sou um adicto? (adicto é sinônimo de viciado), entre outros. A palavra é então franqueada e um membro começa a falar voluntariamente. A única condição para participar do grupo é não estar portando nenhuma droga durante o encontro. Caso a pessoa tenha se drogado naquele dia, é sugerido que ela converse com alguém no fim da sessão.

Os participantes não comentam seus “baratos”, nem que tipos de tóxico consumiam. Falam de seu dia, de sua semana, de sua vida. O que tem feito para lidar com seus problemas. A maioria encontra uma grande dificuldade em solucionar imprevistos que aparecem na rotina. “O que possuímos é uma grande inabilidade de viver a vida”, disse uma adicta, durante seu depoimento.

“Eu não sei o que eu quero. Sei  que não quero continuar usando drogas. Mas também não quero encarar a realidade como ela é”, disse um membro. O “fundo do poço” é um momento bastante comentado. É quando eles percebem que não querem mais aquela vida e procuram ajuda no NA. “Não gosto de lembrar como eu estava há quatro  meses, jogado em meu apartamento depois de um “baque”.  Sou muito agradecido ao grupo.”

A maioria encontra dificuldades para se relacionar, optando por permanecer só até estágios mais avançados da recuperação. No entanto, alguns conseguem vencer barreiras e namorar. “Minha namorada já sabe que frequento  o  grupo e que sou adicto. Mesmo assim, já fazemos planos juntos.” A recuperação dos laços sociais e familiares é um elemento importante para o restabelecimento de uma vida sem drogas.

O retorno à profissão também é um passo crucial. O grande problema é a dificuldade de lidar com as frustrações. Muitas vezes, as falhas no trabalho são fatores de impulsão para o consumo de entorpecentes. “Eu não me descontrolo, mesmo sabendo que sou explorado.”

Algumas pessoas vão ao grupo há mais de 15 anos, mas não perdem a conta do total de tempo que estão limpos. Geralmente, tornam-se padrinhos ou madrinhas, auxiliando participantes novos. O grupo partilha seus contatos e muitas vezes telefonam uns aos outros para pedir ajuda.

“Hoje, eu planejo minha recuperação. Antes de qualquer viagem vou duas vezes antes e duas vezes depois à sala. E frequento grupos nos locais que eu vou.” A gratidão ao NA é total. Há um autorreconhecimento constante no discurso alheio. Assim, a experiência do outro ajuda na superação de sua própria problemática.

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