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Tecnologia pode ser aliada da saúde

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Tratamento de saúde na era digital

 

Por Ana Luiza Tieghi
“Não tinha feito outros tipos de fisioterapia por causa do meu quadro”, conta Edson Rodrigues da Silva, que realiza tratamento com videogames no Fofito

“Não tinha feito outros tipos de fisioterapia por causa do meu quadro”, conta Edson Rodrigues da Silva, que realiza tratamento com videogames no Fofito

Utilização de jogos eletrônicos e softwares de realidade aumentada e virtual já fazem parte do tratamento de diversos transtornos

A tecnologia está presente em todos os momentos da vida. Estamos aprendendo rapidamente a encarar com naturalidade o mundo virtual, que se tornou uma extensão da realidade.

Mas a tecnologia e a internet não servem apenas para acessar as redes sociais. Tem muita gente se utilizando de recursos tecnológicos que há pouco tempo seriam impensáveis para melhorar a qualidade de vida de portadores de diversos problemas.

Já pensou que o videogame que você e seus filhos jogam ou que o Google Mapspode ter outras utilidades além de te divertir e guiar pela cidade? Ou que imagens em 3D podem ir muito além do cinema?

Reabilitação

Edson Rodrigues da Silva, agente de vigilância da Superintendência de Segurança, vai toda semana ao Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina (Fofito) para jogar videogame. Não é um passatempo, mas uma sessão de fisioterapia. Com a utilização do console Nintendo Wii, as terapeutas Danielle Perez e Joyce Muzzi podem treinar movimentos nos pacientes e observar suas evoluções. “A fisioterapia tem aderência maior com o videogame. Fazemos mais repetições e podemos trabalhar questões cognitivas importantes”, conta Danielle.

Maria Elisa Pimentel Piemonte é professora do Fofito e coordena os estudos sobre uso de jogos virtuais na reabilitação física

Maria Elisa Pimentel Piemonte é professora do Fofito e coordena os estudos sobre uso de jogos virtuais na reabilitação física

Silva, que teve um infarto em 2013 e um AVC no início deste ano, já está na quinta sessão de fisioterapia com o uso de videogame e acredita que a técnica está ajudando-o a recuperar sua força e destreza. “Da forma dinâmica como elas fazem, elas veem as minhas dificuldades, onde realmente precisa ser trabalhado e de que forma, para que eu possa melhorar o movimento do meu braço, da minha cabeça, visualizar e pensar melhor”, afirma.

A professora Maria Elisa Pimentel Piemonte é quem orienta esse trabalho, que também trata de pessoas com problemas de equilíbrio e locomoção. A técnica já foi aplicada em pacientes com mal de Parkinson e em idosos saudáveis, sempre com resultados positivos.

“A primeira impressão das pessoas é que a escolha do videogame está ligada a ser uma terapia mais divertida, mas nosso argumento não é esse”, explica a professora do Fofito. Os jogos virtuais permitem que o terapeuta perceba com clareza quais as dificuldades do paciente e os compare com os resultados obtidos em sessões anteriores. Além disso, diferentemente da fisioterapia convencional, quando o paciente joga o videogame, ele realiza os movimentos enquanto se concentra no jogo. “Isso exige uma divisão de atenção, um controle de movimento mais automático, que é exatamente o que a gente usa no dia a dia”, afirma.

Imagem do aplicativo GestureMaps, em desenvolvimento na Ufscar, que permite o controle do GoogleMaps através de gestos

Imagem do aplicativo GestureMaps, em desenvolvimento na Ufscar, que permite o controle do GoogleMaps através de gestos

Os jogos usados nas sessões de fisioterapia no Fofito são variados. Além de games comerciais, como os jogados no Nintendo Wii, também entram jogos terapêuticos criados fora do Brasil e outros que estão sendo desenvolvidos em terras nacionais, com a ajuda dos estudos do departamento. Um exemplo é o aplicativo GestureMaps, que está sendo desenvolvido por Alexandre Brandão, Gustavo Jordan Brasil e Diego Dias, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Ele permite controlar a ferramenta Google Street View(pela qual é possível visualizar imagens de ruas e até mesmo museus de diversas partes do mundo como se você estivesse presente no local) por meio de gestos manuais. Pensado inicialmente para pacientes idosos com desorientação espacial, o GestureMaps proporciona interação virtual com rotas urbanas e pode ajudar pacientes com outros problemas motores. “Temos treinado andar no Museu do Louvre, por exemplo, ao invés de fazer o paciente dar dez voltas de lá pra cá, na sala. É uma motivação”, explica Maria Elisa. “Nosso trabalho visa proporcionar aos usuários uma maneira não-convencional de interagir com ambientes virtuais de forma intuitiva, fisicamente ativa e essencialmente lúdica”, conta Alexandre Brandão.

A pesquisadora da Poli Ana Grasielle Dionísio Corrêa também encontrou uma maneira de aliar tecnologia e reabilitação de forma lúdica. Ela é a criadora do GenVirtual, software usado por portadores de paralisia cerebral e distrofia muscular  em sessões de musicoterapia, que, como o nome já adianta, trabalha música e terapia de forma conjunta.

A pesquisadora da Poli Ana Grasielle Dionísio Corrêa desenvolveu software que viabiliza a musicoterapia em pacientes com problemas graves de movimentação

A pesquisadora da Poli Ana Grasielle Dionísio Corrêa desenvolveu software que viabiliza a musicoterapia em pacientes com problemas graves de movimentação

A forma tradicional de musicoterapia envolve a utilização de instrumentos musicais, por vezes adaptados. Porém, algumas deficiências impedem que os pacientes realizem os movimentos necessários durante as sessões. “Às vezes eles só movimentam o pescoço, o dedo”, conta. Em casos de paralisia cerebral também é comum que o paciente negligencie um lado de seu corpo, o que atrapalha o uso de um instrumento como o piano, por exemplo.

Após acompanhar tudo isso, Ana percebeu que adicionar a técnica de realidade aumentada à musicoterapia poderia dar muito certo. A pesquisadora confeccionou cartões com símbolos que representavam as notas musicais e desenvolveu o software que os identifica. Com o auxílio de uma webcam, o sistema decodifica os símbolos nos cartões e cria digitalmente um cubo 3D colorido, que o paciente, ao olhar para a tela do computador, enxerga como se estivesse no lugar do cartão. Com a adição dos cubos que não existem fora da tela do computador, a realidade é de fato aumentada.

Ao passar a mão ou mesmo o pé por cima dos cartões, o paciente toca uma nota musical. “O legal é que o terapeuta consegue fazer o planejamento da tarefa conforme a necessidade do paciente”, explica. Manipulando os cartões, o profissional pode aumentar ou diminuir a dificuldade da terapia, por exemplo. Com o GenVirtual também é possível trocar os instrumentos que são replicados, o que adiciona dinamismo ao tratamento.

O software GenVirtual é fácil de ser instalado e tem baixo custo, pois utiliza-se da realidade aumentada e exige poucos equipamentos

O software GenVirtual é fácil de ser instalado e tem baixo custo, pois utiliza-se da realidade aumentada e exige poucos equipamentos

O software foi testado em pacientes da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) e Abdim (Associação Brasileira de Distrofia Muscular) e está disponível para download gratuito através do site www.anagrasi.com.br, onde também se encontram instruções de instalação e uso. A criadora do software afirma que o uso da realidade aumentada atua de forma a motivar o paciente, que durante o tratamento convencional tem que fazer o mesmo movimento sempre: “Se você faz todos os dias o mesmo exercício, da mesma forma, fica chato, cansa. Quanto mais possibilidades você dá, mais atrativo vai ser para o paciente”. Ana afirma que o tratamento pode ajudar até mesmo a aumentar a autoestima, pois a pessoa se sente mais capaz de realizar uma ação.

Atendimento psicológico

Não é só a fisioterapia que anda se beneficiando com os avanços tecnológicos. O tratamento de problemas psicológicos com o auxílio de plataformas digitais já é uma realidade.

Cristiane Maluhy Gebara, psicóloga e docente do curso de Aprimoramento em Terapia Comportamental Cognitiva em Saúde Mental do Ambulatório de Ansiedade (Amban) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, desenvolveu o primeiro Programa Brasileiro de Realidade Virtual para tratamento de Fobia Social (RVFS).

A psicóloga Cristiane Maluhy Gebara criou um programa que usa cenas em 3D para auxiliar o tratamento de fobia social

A psicóloga Cristiane Maluhy Gebara criou um programa que usa cenas em 3D para auxiliar o tratamento de fobia social

O programa consiste de seis cenas com personagens reais, que foram inseridos em cenários virtuais. Com o uso de um computador, uma televisão 3D, óculos que permitam ver imagens em terceira dimensão e fones de ouvido, já é possível realizar o tratamento. O paciente vê a cena escolhida pelo terapeuta e precisa interagir com os personagens, que respondem o que o profissional digitar em um teclado. O paciente realiza o tratamento sem ser informado de que é o terapeuta quem está lhe respondendo. “O terapeuta elenca as situações que o paciente teme e o expõe a essas cenas, progressivamente, da que ele menos teme para a que mais teme, por um tempo prolongado. A ansiedade atinge um ápice, depois começa a declinar. Por isso essa exposição tem que ser gradual e repetida”, explica a psicóloga.

Para o terapeuta, é mais uma forma de trabalhar a fobia social. Cristiane afirma que a adesão dos pacientes é maior com o uso da realidade virtual. Houve uma redução de 70% na ansiedade das 21 pessoas testadas durante o estudo realizado por ela. Mesmo seis meses após o término do tratamento, os resultados positivos se mantiveram. Cristiane acredita que a possibilidade de repetir as cenas diversas vezes seja uma das causas do sucesso do programa. “A adesão dos pacientes foi maior, porque sem esse método, eles fazem a interação ao vivo”, explica. Sem precisar se expor a situações reais, o paciente aprende a dominar e superar sua fobia de forma segura, para depois encarar a realidade não-virtual. Para saber mais sobre o Programa RVFS, acesse www.medosefobias.com.br ou envie um e-mail para crisgebara@gmail.com.

Interface do Projeto Transformador, criado por Maria Lúcia Rossi. “A ideia foi acoplar a tecnologia à terapia”, explica

Interface do Projeto Transformador, criado por Maria Lúcia Rossi. “A ideia foi acoplar a tecnologia à terapia”, explica

Outra iniciativa ligada à área da psicologia e o mundo virtual é o Projeto Transformador, idealizado por Maria Lúcia Rossi, docente do curso de TCC do Amban e psicóloga. O projeto se concentra no atendimento a crianças, que cada vez mais estão fazendo terapia. Trabalhando com elas, a terapeuta percebeu que os pequenos estavam na sala de espera sempre segurando o smartphone dos pais, imersos em alguma atividade, e ficavam chateados de ter que largar o aparelho para iniciar a sessão. “A ideia então foi acoplar a tecnologia à terapia, até para poder atender à demanda dessa nova geração de crianças que está chegando”, explica.

O Projeto Transformador consiste de seis atividades que o terapeuta consegue desenvolver com a criança, e adaptar ao uso que achar mais adequado. A primeira delas é a apresentação, onde um boneco explica o que é o psicólogo, o que é a terapia, como funciona o sigilo entre terapeuta e paciente. “Isso é superimportante, porque a criança sempre fica muito assustada de contar para os pais absolutamente tudo”, afirma Maria Lúcia.

Cerca de 200 crianças já utilizaram o sistema e, segundo a psicóloga, os resultados foram bastante positivos. “A criança ficou muito mais aderente à terapia, vinha mais animada, o tempo foi menor e, com a psicoeducação, ela passa a usar os termos corretos para falar de si mesma”, explica.

Durante um ano o projeto esteve disponível para uso gratuito de pesquisadores e terapeutas de todo o Brasil. Neste mês ele começa a ser comercializado, ao custo de 50 reais por paciente. Para conhecer mais sobre o projeto e as atividades que ele contém, acesse www.projetotransformador.com.br.

Muito já foi feito para aliar tecnologia e saúde, e as pesquisas não param. É unânime entre os entrevistados a vantagem econômica de se utilizar a internet e a realidade virtual ou aumentada como aliadas do tratamento psicológico e da reabilitação física. São técnicas complexas em seu desenvolvimento, mas simples na execução. “Não tinha feito outros tipos de fisioterapia por causa do meu quadro”, conta o agente de vigilância Edson Rodrigues da Silva, que perdeu 15% do funcionamento do seu coração devido ao infarto. Assim como no caso dele, os novos softwares e a utilização do mundo virtual no tratamento de doenças e reabilitação ainda podem beneficiar milhares de pessoas, em todo o País.

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