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Novas tecnologias estão reestruturando o modelo de aprendizagem no País e apontam alternativas possíveis para dinamizar a educação
O mundo em rede e as novas tecnologias ligadas à internet estão reorganizando as formas de comunicação e estruturação da sociedade. Não obstante, o jornalismo vem cedendo lugar à virtualidade em detrimento do clássico jornal impresso. Essas tecnologias vêm prometendo reestruturar também os rumos do processo de aprendizagem. Historicamente a educação brasileira privilegiou os socialmente mais favorecidos, atribuindo à grande massa populacional uma educação falha e com inúmeros problemas estruturais.
Dúzias de alunos espremidos, sentados em cadeiras enfileiradas de frente para um professor, com uma lousa verde escrita a giz que se destaca ao fundo. Esta é a realidade encontrada na quase totalidade das salas de aula das escolas públicas brasileiras, cujo sistema de ensino perdura desde o século passado. Para os pesquisadores, tal realidade é ultrapassada e desmotiva os alunos. Uma solução possível, para eles, é a chamada Educação a Distância (EAD), vista como modelo de educação do futuro.
“A educação presencial não dá mais conta das demandas das novas gerações. A cultura presencial é do século passado. Se as escolas não levarem a tecnologia para a sala de aula, os alunos levarão”, avalia o docente da Escola Politécnica e autor do blog Educação sem Distância, Romero Tori. As novas ferramentas digitais vêm propiciando alternativas para a implementação de novas práticas de ensino e trabalho e oferecem um caminho para dinamizar as práticas de aprendizagem.
“A cultura presencial é do século passado. Se as escolas não levarem a tecnologia para a sala de aula, os alunos levarão”, avalia Romero Tori (Arquivo Pessoal)
Pesquisas mostram o crescimento de cursos a distância no País. De acordo com os dados do Censo da Educação Superior de 2012, a EAD cresceu mais que a educação presencial entre 2011 e 2012. Nesse período, houve crescimento de 12, 2% nas matrículas de cursos a distância, porcentagem bem superior ao aumento de 3,1% da educação presencial. No entanto, menos de 15% dos universitários brasileiros estão em cursos de EAD.
Em 2011, houve um fenômeno educacional que chamou a atenção da mídia mundial: os Moocs, cursos massivos on-line e abertos (em tradução literal), ministrados via web, sem a intermediação de professores ou tutores, que são capazes de beneficiar milhares de estudantes. São oferecidos aos alunos como forma de ampliar seus conhecimentos num modelo de coprodução. A prática, realizada com apoio de programas sofisticados que empregam inteligência artificial, foi oferecida por instituições respeitadas dos Estados Unidos, como Stanford, Harvard e Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Empregando videoaulas, utilizando CDs, DVDs, programas de rádio, televisão ou até mesmo material impresso por e-mail, a aprendizagem a distância é reconhecida pela sua capacidade de democratização do acesso ao conhecimento, isto é, pode alcançar lugares ditos remotos, ou mesmo que não dispõem de redes de educação. Para Tori, a Educação a Distância possibilitaria uma expansão do ensino superior, por se tratar de um modelo de ensino mais democrático e pela possibilidade de poder “atingir qualquer ponto do mundo de forma mais barata”, visto que a sociedade está ficando mais “tecnológica e interativa”.
Histórico da EAD
O ensino a distância teve início no País na década de 90. A Universidade de São Paulo abriu seu primeiro curso a distância em 2008. No entanto, cursos a distância tiveram início no século 19, como lembra Fredric Michael Litto, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) e Professor Emérito da Escola de Comunicações e Artes da USP. Já em 1858, a Universidade de Londres possuía cursos por correspondência. Mahatma Gandhi, morando na colônia britânica da África do Sul, realizou todo o curso de Direito por cartas transportadas por navio. Analogamente, Nelson Mandela fez o curso superior, também em Direito, enquanto era prisioneiro na cidade de Cabo Verde, porém não obteve o diploma por não ter sido liberado da prisão para o exame final.
“Sem dúvida, a única forma que o Brasil tem para aumentar o número de pessoas qualificadas é se utilizar de ensino a distância”, afirma Fredric Litto (Arquivo Pessoal)
De acordo com Litto, o ensino a distância não substituirá por completo os cursos presenciais, visto que o correto é pensar na coexistência dos dois modelos. “Não se pode forçar as pessoas a fazer cursos a distância, porque muitas não se adaptam a essa prática e precisam ter o professor ao lado”, comenta. No entanto, para o docente há um preconceito e um “conservadorismo” por parte da população brasileira em relação aos cursos a distância que são um grande entrave para a implementação da EAD no Brasil. Litto acredita que as críticas à EAD provêm de um total desconhecimento das conquistas do modelo de aprendizagem no exterior.
Cenário interno
De acordo com o Censo da Educação Superior, apenas 14,6% dos jovens brasileiros, entre 18 a 24 anos, frequentam o ensino superior, enquanto Argentina, Chile e Bolívia possuem taxas que superam os 30%. Tais dados evidenciam o grande número de jovens em idade produtiva com baixo nível de escolaridade. Para Litto, a expansão da EAD contribuiria para a criação de mão de obra qualificada e, por consequência, aumentaria a importância global do País. “Se continuamos com os modelos do passado, vamos ter os números do passado e não vamos ter agilidade de mudanças e atualizações curriculares que a sociedade moderna precisa. Sem dúvida, a única forma que o Brasil tem para aumentar o número de pessoas qualificadas é se utilizar de ensino a distância”, diz.
Independente dos diversos problemas e entraves à implementação de cursos a distância no País, a estimativa é de que as inovações digitais dinamizem o aprendizado. “Eu vejo um futuro muito forte da tecnologia na educação”, diz Romero Tori. Segundo ele, a tendência é a existência de uma educação híbrida. “Estamos caminhando para que os cursos presenciais fiquem mais tecnológicos, bem como os cursos a distância se aproximam de cursos presenciais. Em cursos a distância já são comuns encontros presenciais entre alunos”, avalia.
“Um ensino a distância democratiza o ensino. Com um curso a distância pode-se aproveitar os melhores professores de forma que eles sejam acessíveis a todos os alunos”, diz Gil Marques (Arquivo Pessoal)
“Um ensino a distância democratiza o ensino. Com um curso a distância se pode aproveitar os melhores professores de forma que eles sejam acessíveis a todos os alunos”, avalia Gil da Costa Marques, coordenador-geral do curso a distância de Licenciatura em Ciências da USP e docente do Instituto de Física. Segundo o coordenador, a EAD poderá solucionar dois grandes problemas da educação brasileira: o acesso e o domínio do conhecimento. “Realmente são poucos, hoje, os que têm acesso a uma educação superior.”
Resultados do Enade – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – de 2007 mostram que, em sete das 13 áreas de conhecimento, as maiores notas foram obtidas por alunos de EAD. Para Marques, a utilização de tecnologias como vídeo e animação tornam vídeo-aulas mais interessantes e melhores que as aulas presenciais, meramente expositivas, contribuindo para a motivação dos alunos. “O aluno pode recorrer a uma série de materiais, como jogos e simulações interativas, que permite o acesso a muitos conteúdos. (…) É uma questão de tempo para que as vídeo-aulas superem as aulas presenciais”, avalia.
Entretanto, o ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e docente do Instituto de Física, Otaviano Helene, não acredita que o ensino a distância irá solucionar os problemas da educação brasileira. “A EAD não foi solução para a educação pública ou privada em nenhum lugar do mundo. A EAD é um complemento educacional cuja eficiência fica limitada a alguns poucos casos de pessoas realmente impossibilitadas de frequentar um curso presencial, como prisioneiros, acamados, entre outros”, diz.
“Para democratizar o acesso à educação é necessário oferecer oportunidades iguais a todos, iniciando-se na educação infantil”, analisa Otaviano Helene (Arquivo pessoal)
Para Helene, que também é autor do Blogolitica, o setor público oferece algumas poucas vagas e cursos, acabando por legitimar o setor privado. “Para democratizar o acesso à educação é necessário oferecer oportunidades iguais a todos, iniciando-se na educação infantil. Minha impressão é que os grandes fomentadores da EAD foram, e ainda são, as empresas no ramo de informática, interessadas, de fato, no sucesso de seus negócios, na medida em que vendem e fazem propaganda de seus produtos, e não na educação da população”, completa.
Dados do Censo da Educação Superior de 2012 comprovam a ligação dos cursos de EAD com o setor privado. De acordo com o censo, a rede privada domina a maior parte das matrículas em EAD (83,7%), sendo que 72,1% são universidades. No setor público, a Universidade de São Paulo, bem como as universidades públicas do Estado de São Paulo, ainda está engatinhando no que diz respeito à inclusão de modelos de aprendizagem a distância. Em 2008, a Universidade, vinculada à Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), abriu seus primeiros cursos de EAD. Para Marques a prática com cursos semipresenciais, instalados recentemente pela Universidade, está ainda em fase de experiência, no entanto, é possível afirmar que se pode obter uma boa educação com auxílio das inovações digitais. “Eu tenho certeza de que é possível oferecer um curso de muita qualidade fazendo uso das tecnologias”, conclui.