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Uma lupa sobre os desastres naturais

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Mais atenção aos desastres naturais

 

Por João Vitor Oliveira

Universidade

Novo núcleo de pesquisa da Universidade reúne profissionais de diferentes unidades de ensino para estudar o tema

 

No primeiro dia de 2010, logo após o réveillon, os telejornais anunciavam uma tragédia: deslizamentos de encostas causados por fortes chuvas deixaram 50 mortos em Angra dos Reis e Ilha Grande, litoral sul do Rio de Janeiro. Um ano mais tarde, enchentes de proporções catastróficas atingiram o estado de Santa Catarina e provocaram a morte de seis pessoas, além de terem desabrigado outras 25 mil.

E estes são, entre tantos semelhantes, apenas os casos mais famosos. Afinal, o Brasil pode não sofrer com terremotos, furacões e tsunamis, mas não está livre dos transtornos causados por desastres naturais. Verão após verão, a combinação de chuvas e falta de planejamento urbano resulta em mortes, famílias desabrigadas e uma série de problemas a serem resolvidos pelas autoridades.

“A intenção é aproveitar a base de pesquisadores que já trabalha com a questão de desastres há algum tempo” – Hugo Yoshizaki, coordenador do Ceped

“A intenção é aproveitar a base de pesquisadores que já trabalha com a questão de desastres há algum tempo” – Hugo Yoshizaki, coordenador do Ceped

Tendo isso em vista, a USP assinou, no dia 31 de janeiro, um acordo com o Ministério da Integração Nacional e a Casa Militar – Defesa Civil de São Paulo para a criação do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres do Estado de São Paulo (Ceped). “O Ministério da Integração tem incentivado as defesas civis de vários Estados a, em parceria com universidades públicas locais, implementar centros de pesquisas sobre desastres”, explica Ulisses Araújo, assessor da Superintendência de Relações Institucionais (SRI) da Universidade – órgão que conduziu o contato com a Defesa Civil – e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each). “A proposta foi muito bem recebida pela Reitoria, que deu andamento ao projeto.”

O Ceped será um Núcleo de Apoio à Pesquisa vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa e coordenado pela Escola Politécnica (Poli). O objetivo é produzir, integrar, contextualizar, disseminar e disponibilizar o conhecimento produzido pela Universidade na área de desastres para prevenir, reduzir e mitigar acidentes do tipo em âmbito regional e nacional.

“A Defesa Civil vai continuar fazendo o trabalho dela, e nós vamos estudar para que este seja feito de maneira mais eficiente”, explica Hugo Yoshizaki, coordenador do projeto e professor do Departamento de Engenharia de Produção da Poli.

Segundo ele, pesquisadores da Universidade trabalhavam com a questão dos desastres há muito tempo, mas de maneira isolada. O Ceped chega para ser um centro aglutinador, com unidades de ensino de diferentes áreas participando. Além da Poli, são elas: Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG); Instituto de Psicologia (IP); Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU); Instituto de Geociências (IGc); Faculdade de Saúde Pública (FSP); Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each); Faculdade de Direito (FD); e Escola de Engenharia de São Carlos (EESC).

Marcelo Camargo/Agência Brasil“É uma questão de integração”, comenta Yoshizaki. “O desastre é um fenômeno completo, algo que precisa receber diferentes olhares para encontrarmos uma boa resposta.” O professor enfatiza a ideia: “Em um estudo, constatamos que homens entre 15 e 50 anos de idade têm duas vezes mais chances de morrer numa enchente do que o resto da população. Agora, por que isso acontece?”, questiona. “Eu, como engenheiro, não sei explicar, mas pessoas da psicologia veem nisso um interessante tema de pesquisa”.

Chuva de verão

De 1º de dezembro a 14 de março, a Operação Verão da Coordenadoria de Defesa Civil de São Paulo, que terminou no dia 31 do mês passado, registrou cerca de 1.300 desabrigados e quase 6.000 desalojados por conta das chuvas no Estado paulista. Foram, ainda, 29 óbitos, mais do que o dobro de casos de 2012.

A professora Maria Assunção e o pesquisador Bruno Biazeto no Laboratório Master, do IAG

A professora Maria Assunção e o pesquisador Bruno Biazeto no Laboratório Master, do IAG

“No Brasil, o elemento fundamental dos desastres naturais é a chuva, que traz uma série de consequências”, afirma Maria Assunção Dias, membro do Ceped e professora do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG, que atuará, no projeto, com a previsão de eventos extremos de chuva.

Maria Assunção é coordenadora do Laboratório Master (Meteorologia Aplicada a Sistemas de Tempo Regionais), onde trabalha com previsão de chuvas em uma escala de duas horas a alguns dias de antecedência da tempestade.  Além deste, outros dois laboratórios do Instituto estão envolvidos com o Ceped: o Storm-T (Sensoriamento Remoto Meteorológico de Tempestades), que realiza previsões de curtíssimo prazo – se já está chovendo, onde vai chover em seguida? – e o Grec (Grupo de Estudos Climáticos), que apresenta e disponibiliza um relatório climático mensal para a comunidade.

O desafio, para a professora, é tornar as informações geradas nas pesquisas úteis para aplicação. A população em geral não está interessada nas equações, nas causas das chuvas e minúcias dos processos dinâmicos. O que ela quer saber é quanta água vai cair em determinado horário e local de sua cidade.

E o Ceped facilita este trabalho. “Ele torna possível estruturar a colaboração entre os diversos usuários. Que tipo de informação é importante para o pessoal que vai atender as vítimas? Visualmente, qual a melhor forma de transferir essa informação?”, questiona Maria Assunção. “Esse é o nosso grande ponto no projeto. Trabalhar junto com outras áreas para avançar no uso da informação.”

Abrigos que abrigam

Para Lara Leite, abrigos temporários improvisados são inapropriados para a população

Para Lara Leite, abrigos temporários improvisados são inapropriados para a população

Choveu, alagou, e a população que teve que sair de suas casas precisa ir para algum lugar até que tudo seja normalizado. Os abrigos temporários oferecidos pelas autoridades são, geralmente, improvisados em edifícios públicos da cidade. Para Lara Leite, professora da FAU que integra o Ceped, trata-se de uma situação bastante inapropriada. “Estes locais não foram feitos para servir de moradia, e dessa inadequação surge uma série de problemas”, declara.

Lara é coordenadora do grupo de pesquisa Núcleo Habitat sem Fronteiras (Noah), criado a cerca de um ano e meio com participação de alunos de iniciação científica da faculdade. O grupo realizou, em duas oportunidades – dezembro de 2011 e agosto de 2012 –, estudos de caso na cidade de Eldorado, no Vale do Ribeira, parte sul do Estado. A cidade, banhada pelo rio Ribeira do Iguape e de infraestrutura precária, é frequentemente castigada por enchentes.

Na pesquisa, foi constatado que a carência é, principalmente, por equipamentos de uso coletivo, como sanitários e chuveiros. A infraestrutura dos edifícios não suporta a quantidade de pessoas que chegam e não oferece, assim, condições básicas de higiene aos desabrigados. Um dos objetivos da participação da FAU no Ceped é, justamente, o desenvolvimento de equipamentos que supram essa necessidade.

“Mas isso é uma proposta a primeiro momento, apenas para complementar a infraestrutura que já existe”, comenta Lara. “O ideal seria construir espaços já pensando na possibilidade de usá-los como abrigo, onde as pessoas poderiam, entre outras necessidades básicas, dormir e se alimentar de maneira adequada.”

Para Lara Leite, abrigos temporários improvisados são inapropriados para a população

Para Lara Leite, abrigos temporários improvisados são inapropriados para a população

Os abrigos novos teriam outros usos em períodos de normalidade. A professora explica que a cidade de Eldorado, por exemplo, tem uma deficiência de espaços para uso coletivo. Quando não estivessem sendo usados como abrigo temporário, os edifícios ofereceriam atividades esportivas, culturais e vários tipos de reuniões comunitárias.

Para Lara, o Ceped irá organizar o trabalho do Noah e de outros grupos de pesquisas que estudam questões ligadas a desastres naturais. “Já trabalhávamos com algumas parcerias, mas de maneira informal. Com este projeto estamos estruturando tudo isso melhor.”

E o mesmo vale para as outras unidades de ensino envolvidas, cada qual com seu foco de estudo. Como o IP, que volta suas atenções às minúcias dos cuidados não só às vítimas, mas também aos profissionais em situações de desastres. Ou como a FD, que atuará na interface entre mapeamento, gestão de riscos e Direito. São estudos interdisciplinares que, unidos, podem fazer com que as más notícias diminuam nos próximos verões.

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