Formação: Pedagogia Descolonial

Espírito da revolta: formação sobre pedagogia decolonial

 Andressa, Luciano e Mariana K.

O desafio decolonial

A nossa última formação do semestre partiu de referências como Allan de Rosa, Catherine Walsh e Grada Kilomba para conhecermos um pouco mais da pedagogia decolonial. São três diferentes perspectivas, muitas vezes complementares, que nos permitiram adentrar em um campo bastante rico de produção de novos velhos conhecimentos. Velhos porque sempre existiram e novos porque apenas recentemente são reconhecidos como tal.

 

Imagem de divulgação da performance “While I write” de Grada Kilomba. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UKUaOwfmA9w.

Tratar deste tema é instigante por diversos motivos. Primeiro, por ser um tema ainda pouco explorado no meio acadêmico, e ainda menos no direito. Segundo, por pensar o conhecimento a partir de uma crítica ao colonialismo, sendo então uma tarefa de forte potencial questionador e crítico, o que a torna mais desafiadora, do ponto de vista pessoal e também coletivo. E, por fim, destaca-se o fato de que a proposta decolonial tem caráter transversal e interseccional, algo que nos obriga a extrapolar identidades estanques para organizá-las em um contexto amplo de relações.

Assim como a proposta queer, a pedagogia decolonial não parte de um molde fixo, mas o critica. Ela é resultado de uma postura desconfiada frente ao conhecimento produzido nos “centros do mundo” com olhares de dominação sobre outros espaços. Ela localiza os saberes histórica e geograficamente, contextualizando-os nesta narrativa da construção de hierarquia entre os povos.

A ideia de “descolonizar o pensamento” é também ampla. Ela pode significar uma suspeita do olhar latinoamericano frente aos saberes da Europa Central, mas também pode ser representada pela postura crítica de acadêmicos brasileiros em relação ao conhecimento “nacional” que aqueles privilegiados por acessar a universidade produzem sobre os povos nativos de nosso país.

Em face de tantos questionamentos e de tantas possibilidades, como dar um primeiro passo em nossa formação? Uma primeira reflexão foi a de que o olhar decolonial, de certa forma, esteve presente em outras formações e estudos de caso, justamente por sua transversalidade. Apesar disso, seria preciso tratar do tema de forma pouco pretensiosa e bastante “curiosa”, explorando olhares que muitas vezes passam despercebidos. Foi assim que resolvemos, na dinâmica do encontro, mesclar fórmulas já utilizadas com outras ferramentas pedagógicas.

A dinâmica

A formação se iniciou com cada integrante do grupo falando seu nome e respondendo a pergunta: “que lugar do mundo você gostaria de conhecer?”. Apesar de ser o último encontro e já nos conhecermos bastante, nós do DDD acordamos que iríamos nos apresentar todos os dias, para reforçar a maneira como cada pessoa quer ser chamada e para reafirmar nossa presença no encontro. Além disso, não é incomum que tenhamos alguém de fora do grupo participando do encontro e contribuindo para as reflexões sobre o tema.

No dia, inclusive, recebemos a visita de Juliana Bittencourt, cuja trajetória de viagens pela América Latina visitando comunidades de resistência trouxe diversas experiências e histórias interessantes para dividir conosco. Logo depois das apresentações e das respostas às perguntas, nas quais apareceram lugares muito distintos do globo terrestre, a nossa convidada passou a falar de suas andanças de uma maneira diferente, com um mapa desenhado.

 

Vista da parte interna do mapa “Mesoamérica resiste”, representando formas populares de resistência à dominação.

 

O mapa se chama “Mesoamérica resiste” e foi criado e realizado pelo “beehive collective” (coletivo colméia), composto por artistas e designers anônimos e voluntários que buscam criar ferramentas inovadoras de transmissão de conhecimento. O projeto levou nove anos para ser concluído e, inspirado na história de países do México até a Colômbia, é fruto de uma enorme pesquisa de saberes locais.

Na primeira parte do mapa, há uma perspectiva “de cima para baixo” da região, que representa, nas imagens, organismos internacionais e seus projetos de dominação sobre o território e as populações que ali vivem. Há críticas ao consumo exacerbado, à militarização, ao extermínio de povos nativos, à destruição de tradições, à imposição de culturas, ao desrespeito com os recursos naturais, dentre muitos outros problemas de um ideal de desenvolvimento e progresso que se baseia na exploração de muitos para o sucesso de poucos. É um olhar um tanto quanto pessimista sobre a Mesoamérica.

 

Mapa fechado, com a perspectiva do “Plan Mesoamérica”, destacando o projeto colonialista-imperialista de dominação do continente.

 

No entanto, na segunda parte do mapa, que tem o dobro do tamanho da anterior, a perspectiva das imagens é feita para retratar a visão de uma formiga que, das miudezas da superfície, olha para seu entorno e luta para combater a dominação e resistir. As imagens mostram assembleias e comunidades que valorizam seus saberes ancestrais para nos inspirar e renovar nossas esperanças sobre como realmente desconstruir o colonial.

O mapa é construído com uma nova linguagem, pouco utilizada no ambiente acadêmico, a artística. Além disso, ele foi pensado para que as pessoas possam se engajar nele e descobrir detalhes a cada nova busca. Embora nosso tempo de observação tenha sido limitado, foi possível descobrir inúmeros temas e pudemos aproveitar para ouvir um pouco sobre as comunidades que a Juliana tinha visitado nas suas viagens.

Uso do mapa em encontros de resistência.

Como a dinâmica do mapa foi um momento para observar e ouvir histórias, reservamos um último espaço, ainda que curto, para as discussões do grupo. Como forma de provocação para as falas, passamos fichas com frases e expressões que seriam lidas por cada um e que poderiam abrir um mundo de reflexões.

A primeira cartela aberta foi a da expressão “guerra ao terror”, na qual nos detemos durante todo o debate, porque cada fala foi puxando outra e instigando relações entre o global e o local, as históricas ouvidas na dinâmica anterior e nossas próprias experiências. Mesmo que não tenhamos aberto outras cartelas além da primeira, vários dos temas ali escondidos acabaram sendo abordados nos nossos diálogos.

A partir do questionamento do significado de “guerra ao terror”, discutimos a criação de estereótipos de “terroristas” e de uma cultura de medo que inspira ódio entre diferentes culturas. Logo após, fomos da crítica à dominação global, o novo colonialismo agora chamado de imperialismo, para uma crítica da ideia de “desenvolvimento” e do seu uso para dominar populações tradicionais, explorá-las e destruir seu modo de vida, impondo a maneira “moderna”.

Daí surgiu um paralelo no nosso cotidiano, afinal, que guerra ao terror vivemos no centro de São Paulo todos os dias? Relembramos histórias que nos lembram que a população em situação de rua tem um “rosto”, uma face marcada pelo racismo e que, mesmo sob o manto da pretensa democracia racial no Brasil, as pessoas se espantam quando encontram, na rua, uma pessoa branca de olhos claros.

Essa perspectiva do cotidiano, próxima, também nos levou a olhares críticos sobre a ideia de controle e repressão materializada principalmente na figura da Polícia Militar. Ressoou nas falas uma indignação sobre a insensibilidade da mídia e da opinião pública sobre a violência perpetrada contra jovens negros e contra pessoas trans, em especial travestis em situação de rua.

Nossas reflexões foram do plano global para o local, como um passeio por questões urbanas e sua interseccionalidade. A cada esquina, foram novas contribuições e novas possibilidades de desconstrução para erguer uma nova realidade, que respeite individualidades sem perder de foco o coletivo. Muitos outros temas foram abordados, entretanto, assim como um passeio e seus segredos, algumas das discussões não podem ser transcritas sem perder sua mágica.

A experiência como educadores

Como dissemos, falar em pedagogia decolonial nunca se mostrou uma tarefa fácil. Tentamos vencer os desafios e, ainda, motivar os debates, ao trazer a interpretação do mapa, procurando inovar para que fôssemos (assim como fomos) surpreendidos com os resultados obtidos. De um lado, traríamos a linguagem do desenho e, de outro, aproveitaríamos para valorizar o saber produzido por meio da arte que, por sua vez, foi inspirada em saberes comunitários que resistem à dominação nas Américas e que podem ser aplicados no nosso cotidiano.

Capa do livro “Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem” do educador popular Allan da Rosa.

O encontro foi muito rápido para contemplar nossas discussões. O que ficou foi um gostinho, esperamos que para todos, de querer falar mais sobre o tema e de conhecer mais sobre os saberes que de nós são escondidos e que são tão pouco valorizados. Queremos, pouco a pouco, contemplar olhares e saberes que resistam à dominação e que sejam fruto da produção de grupos discriminados na busca da superação das desigualdades.

 

Formação: Ensino jurídico queer

Formação: Ensino jurídico queer

Cecília, Gabriel e Larissa

A Formação 5 do Núcleo Direito, Discriminação e Diversidade teve como tema Ensino Jurídico Queer e contamos com a participação de uma pessoa convidada: Juno Cipolla, que é trans não-binário.

O objetivo da formação era levar à reflexão sobre as formas como se poderia queerizar o ensino, especialmente aquele da faculdade de direito. Ocorre que, para tanto, as alunas precisariam entender o que significa “queerizar”, ou, ainda, o que a Teoria Queer propõe. Desse modo, a formação foi dividida em duas fases: (i) preparação e (ii) discussão em sala de aula. Esta última, por sua vez, aconteceu em três momentos: (i) Check-in para empatia; (ii) “De menina e de menino” e (iii) Reflexões sobre teoria queer e ensino. Ao final, sempre reservamos um momento para feedback sobre as dinâmicas e a discussão.

A preparação: aprendendo de forma continuada e homeopática

Desde o estudo de caso sobre o universo trans*, o grupo responsável propôs uma formação continuada das alunas, tendo em vista a vastidão, a complexidade e a novidade do tema para muitas pessoas. Assim, a formação se iniciou semanas antes, quando as alunas começaram a se preparar para o estudo de caso (10.05), e se prolongou até a formação em ensino jurídico queer (24.05).

Antes das dinâmicas em aula, lançamos quatro “pílulas” de conhecimento ou de idéias pelo Facebook, para diversificar a aprendizagem: três antes do estudo de caso e mais uma antes da formação. As pílulas consistiam em vídeos ou textos curtos, com a temática do universo trans* e teoria queer.

Para a formação em ensino queer, sugerimos como pílula um trecho (dos 13min aos 18min) do média-metragem, “Reprovados?”, sobre secundaristas[1]. No trecho, as alunas do ensino médio discutem a diversidade na escola – gênero e identidade de gênero, orientação sexual, raça – e como ela afeta a vida de cada uma das estudantes do colégio.

As alunas do DDD, então, deveriam ver o vídeo e refletir sobre as diversidades e discriminações na sala de aula e de que formas seria possível pensar em um ensino queer, que lidasse com essas dificuldades e diferenças.

Além da pílula, também era esperado que as alunas se preparassem para a formação a partir da bibliografia recomendada. Como leitura obrigatória indicou-se:

  • Miskolci, Richard. Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças. Autêntica Editora: Belo Horizonte 2015. Capítulo 3 p. 55-68.
  • Brooks, Kim. Parkes, Debra. Queering Legal Education. A Project of Theoretical Discovery. Harvard Women’s Law Journal. v. 27, 2004. p. 90-136.
  • Plano de aula: Currans, Elisabeth. The Same-Sex Marriage Debate: Gay/Lesbian Rights vs. Queer Critiques of Marriage. In: Murphy, Michael e Ribarsky, Elisabeth, Activities for teaching gender and sexuality in the university classroom. Rowman & Littlefield Education. United Kingdom, 2013. p. 47-53.

E, como leitura complementar, sugeriu-se:

  • Louro, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: Guacira Lopes Louro (organizadora) O Corpo Educado: Pedagogias da sexualidade. 2a Edição. Autêntica, Belo Horizonte, 2000. p. 07-34.
  • Blumer, Markie. Are We Queer Yet? Adressing Heterosexual and Gender- Conforming Privilege. In: Case, Kim A. (edit), Deconstructing Privilege. Teaching and Learning as Allies in the Classroom. Routledge, NY, 2013. p. 151-169.

A discussão: compartilhando saberes e experiências em sala de aula

Após a preparação – primeira fase da aprendizagem –, as alunas se encontraram para a discussão em grupo na sala de aula – segunda fase.

O check-in: gerando empatia com o estranho, o abjeto, o queer.

Inicialmente, pedimos para que todas as pessoas – alunas, professor e pessoa convidada – se apresentassem, a partir do método “pipoca”, ou seja, sem seguir uma ordem pré-definida, mas conforme surgisse a vontade de falar.

A apresentação e o método têm, por si só, alguns objetivos. Com a apresentação, queremos (i) fazer com que as pessoas relembrem os nomes umas das outras, o que não aconteceria se o nome fosse dito apenas em uma das formações, trabalhando respeito e valor com relação a cada indivíduo; e, também, (ii) é importante para integrar a pessoa convidada, para que ela se apresente e também tenha a oportunidade de ouvir o nome de cada componente do grupo. Por fim, (iii) o método “pipoca” busca treinar um pouco o controle do tempo e da ansiedade, quando se gera incômodo pelo silêncio na sala de aula. Almeja-se, assim, praticar calma e paciência para esperar o tempo de cada pessoa.

Então, para a apresentação, as alunas deveriam falar (i) nome, (ii) um apelido carinhoso ou inofensivo que já receberam; e (iii) um apelido ofensivo, de preferência relacionado a gênero ou sexualidade (mas apenas se a aluna se sentisse confortável). Esse compartilhamento de apelidos desagradáveis pode gerar desconforto, com a percepção e a lembrança de momentos em que fomos diminuídas por nossas características ou comportamentos.

Todavia, como o desconforto é relacionado a situações comuns a todas, busca-se promover a empatia pela experiência de cada aluna, tanto por se identificar quanto por se solidarizar com a dor da outra pessoa. Afinal, todas nós já fomos, de alguma forma, expostas a situações de violência em virtude de questões de gênero, sexualidade, raça, classe, etc.

“De menina e de menino”: o binário e o borrão

 Em seguida, convidamos as alunas a se sentarem no chão e em roda. Colocamos no centro do círculo duas cartolinas, uma rosa e uma azul, nas quais estava escrito “De menina” e “De menino”, respectivamente. Pedimos, então, para que as alunas escrevessem, nas cartolinas, tudo aquilo que identificavam ser socialmente construído como voltado para um gênero ou para o outro – desde cores até matérias na faculdade.

As respostas foram diversas: de menino é azul, carrinho, gozo, pinto, palavrões, espaço público, empreendedor, professor da faculdade, etc; de menina é rosa, boneca, vagina, delicadeza, espaço privado, maternidade, professora de crianças. A partir do que estava escrito, começamos a questionar a binariedade e a divisão do mundo e da sociedade entre os gêneros feminino e masculino.

Então, propusemos que as alunas borrassem o cartaz com tinta aquarela. Para cada palavra ou expressão relacionada a um gênero, as alunas poderiam pensar em pessoas e em casos em que aquela divisão não se aplicaria, de modo a quebrar os paradigmas estabelecidos como “de menina” ou “de menino” desde a nossa infância. Percebemos, então, que a “menina” e o “menino” ideais não existem; não há ninguém que cumpra todas as “exigências” impostas a cada um dos gêneros. E, assim, borramos todas as palavras dos cartazes – como é a proposta da teoria queer, de borrar as normas de gênero binárias.

A partir dessa dinâmica, surgiram várias reflexões sobre: (i) a aparente necessidade de enquadrarmos as pessoas em classificações; (ii) o binarismo de gênero impondo papéis opostos e complementares a homens e mulheres; (iii) a desvalorização dos espaços que são ocupados somente por mulheres; (iv) a imposição e a naturalização de características biológicas (mulher tem vagina; homem tem pênis); (v) questionamento e subversão das idéias pré-concebidas (perguntamos: “é possível casamento entre pessoas do mesmo sexo?”, quando poderíamos perguntar: “é preciso casar?”); (vi) discursos que naturalizam e essencializam mulheres e homens e o cuidado para não reforçarmos estereótipos; (vii) o lugar do homem cisgênero heterossexual como regra e “neutro”; (viii) a incorporação de características masculinas para que uma mulher seja respeitada; (ix) a ocupação de espaços por mulheres; (x) o incentivo à criatividade dos meninos e do respeito às regras pelas meninas; (xi) o menosprezo de doenças e transtornos alimentares (como anorexia e bulimia) em virtude de padrões de gênero e beleza; etc.

Ao final da atividade, ponderamos também sobre a dificuldade de se escapar do binarismo homem-mulher nas falas e o risco de reforçar estereótipos. Além disso, consideramos a questão da interseccionalidade, tendo em vista que a vulnerabilidade de cada pessoa aumenta à medida que ela se afasta dos estereótipos e apresenta outros marcadores sociais da diferença relacionados ao gênero – como raça, classe, deficiência, etc.

Reflexões sobre a teoria queer e o ensino

“A demanda queer é a do reconhecimento sem assimilação, é o desejo que resiste às imposições culturais dominantes. A resistência à norma pode ser encarada como um sinal de desvio, de anormalidade, de estranheza, mas também como a própria base com a qual a escola pode trabalhar. Ao invés de punir, vigiar ou controlar aqueles e aquelas que rompem as normas que buscam enquadrá-los, o educador e a educadora podem se inspirar nessas expressões de dissidência para o próprio educar. Em síntese, ao invés de ensinar e reproduzir a experiência da abjeção, o processo de aprendizado pode ser de ressignificação do estranho, do anormal como veículo de mudança social e abertura para o futuro”. Richard Miskolci em Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças (grifos nossos).

Finalmente, passamos a refletir, com as alunas, sobre os textos indicados como bibliografia da aula. Para tanto, havíamos preparado algumas perguntas[2]:

  1. O que é a Teoria Queer?
  2. Durante seus estudos na faculdade, você já se sentiu um ser humano incompleto/abjeto?
  3. Que tipo de experiências foram trazidas nos textos como presentes na vida acadêmica de estudantes?
  4. De quem é o “olhar neutro” da educação ou qual a política da “escola sem política”?
  5. Como se pode pensar a sexualidade e a identidade de gênero na educação de forma queer?
  6. Quais as formas possíveis de se incorporar a pedagogia queer no ensino jurídico?
  7. Em que consistem os princípios da pedagogia jurídica queer trazidas pelas autoras?

Iniciamos o debate com a primeira pergunta “O que é Teoria Queer?”, a qual, na verdade, tomou todo o nosso tempo de discussão. Questionamos o significado da palavra queer, que quer dizer estranho, abjeto, anormal, “viado”, “sapa”, etc. Lembramos que em inglês a palavra tem um significado pejorativo, tendo sido reapropriada pelo movimento queer; mas, no Brasil, a importação da palavra sem incorporar essa ideia de subversão, acaba por “higienizar” ou “fazer a assepsia” do termo, que perde sua conotação de xingamento.

Além disso, discutimos que há duas maneiras de se abordar o queer: (i) quando se fala de gênero e sexualidade; e (ii) quando se fala de subversão das normas, de questionar o padrão, incluindo discussões sobre raça, pessoas com deficiência, etc. Também refletimos sobre o problema da validação dos corpos, que é questionado pela Teoria Queer, pois mesmo para as pessoas transexuais há a imposição de um enquadramento às normas de cada gênero – feminino ou masculino –, para que elas possam ser respeitadas em sua identidade. Ademais, falamos sobre a socialização marginal das pessoas transexuais, porque não correspondem aos padrões esperados pela sociedade.

Refletimos, ainda, sobre as propostas para um ensino queer, questionando se aquelas apresentadas pelos textos seriam suficientes. Identificamos, então, a (i) a necessidade de incluir todas as pessoas nos debates sobre opressões (mulheres e homens, trans e cis, negras e brancas, etc.), permitindo que elas questionem as normas impostas aos nossos corpos; (ii) a dificuldade de se lidar com a subversão a partir do fato de que já existem identidades menos valorizadas; e (iii) a necessidade de desconstruir padrões desde o nascimento das pessoas (“é menino!” e “é menina!”).

Nossa discussão também colocou o próprio movimento LGBT em debate, refletindo sobre os padrões que são reproduzidos. Consideramos a necessidade de se fortalecer o movimento das pessoas não binárias; a necessidade de pensar, em conjunto, as questões de identidade e de sexualidade; e, também, de destacar interseccionalidades e discutir os padrões (branco também é raça; heterossexualidade também é sexualidade, etc.).

O feedback: refletindo sobre a discussão

Ao final, sempre reservamos um momento para o feedback, considerado essencial para refletirmos sobre as dinâmicas e o debate, com o intuito de melhorarmos nossas atividades.

Assim, discutimos a necessidade e o desafio de envolver todas as alunas no debate. Isso porque, falaram mais as pessoas que já tinham algum conhecimento ou experiência ligada a gênero e sexualidade.

Infelizmente, não sobrou tempo para discutirmos a relação entre a Teoria Queer e a pedagogia. Contudo, consideramos que não seria possível falar de pedagogia queer sem que todas soubessem o que é a “Teoria Queer”.

Fotos das atividades

Foto das perguntas sobre os textos, em forma de borboleta.

 

Imagens geradas pelas alunas do DDD, especialmente pela Vitória Oliveira, para divulgação no Facebook, a partir dos textos da Formação 5 – Ensino Jurídico Queer:

 

[1] O média-metragem “Reprovados?”, publicado em 12 de março de 2016, documenta as indignações e reivindicações dos estudantes da E.E. Sapopemba contra a reorganização imposta pelo governo do estado de São Paulo, além de falar sobre problemas pontuais que vão além da reorganização.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nW8i2UGVzmw

[2] Recortamos as perguntas em formato de borboleta, conforme foto no anexo do relatório e pedimos para que os alunos escolhessem aleatoriamente. A primeira pergunta (“O que é Teoria Queer?”), contudo, foi escolhida pelo grupo para iniciar o debate.

Formação: Discutindo branquitude e raça em sala de aula

Formação: Discutindo branquitude e raça em sala de aula

Bernardo, Camila e Marina

Objetivo

A quarta formação do DDD foi sobre raça e branquitude em sala de aula, e teve como objetivo trazer três reflexões. Primeiro, como quando se trata de raça, o imaginário social é de que o branco seria o neutro. Segundo, demonstrar como os espaços de poder, incluindo nestes a academia, são majoritariamente compostos por sujeitos brancos. Portanto, para se falar sobre conhecimento deve-se passar por uma discussão: qual raça tem a “legitimidade” de produzí-lo? Terceiro, relacionamos a branquitude com a negritude para que pudéssemos refletir sobre suas interações.

Dinâmica

Para iniciar o debate realizamos uma dinâmica sobre identificação racial. Cada integrante do grupo se apresentou e identificou-se racialmente. Nesse momento, percebemos que a autoidentificação é um processo complexo e que requer maior aprofundamento sobre a construção do racismo no Brasil, tendo em vista que o mito da democracia racial juntamente com a miscigenação forjou uma série identificações entre um extremo, que seria o negro, e o outro extremo, que seria o branco. Assim, o que se evidenciou durante a dinâmica foi que tanto aqueles que se autoidentificaram como brancos quanto aqueles que se autoidentificaram como negros o fizeram com dificuldade. Acreditamos que isto ocorreu por dois motivos: de um lado os brancos por saírem do posto de neutralidade e do outro, os negros ou, como alguns integrantes se autodefiniram, os não-brancos, em razão do difícil processo de autoidentificação racial.

Nesse gancho, foi discutido que, em sala de aula, a questão sobre raça é debatida relacionando-se exclusivamente à negritude, como se apenas os negros e negras sofressem influências decorrentes dos assuntos relacionados à raça. Assim, a branquitude é tratada como um tema neutro e os brancos e brancas não teriam muito o que acrescentar ou pensar sobre. Reflexo disso foi o incômodo presente neste primeiro momento da dinâmica. Como não é usual perguntar às pessoas brancas a qual raça pertencem, a autoidentificação como branco e branca em espaços nos quais não há um maior aprofundamento a respeito da branquitude, seria um ato “automático”, ao passo que colocá-la no centro do debate gera um desconforto que propicia a reflexão sobre racismo, colorismo e auto declaração como temas relacionados também aos brancos.

Para a segunda dinâmica distribuímos folha sulfite e lápis de cor para cada integrante e pedimos para que pensassem em uma pessoa que eles admirassem e que, necessariamente, esta pessoa ocupasse uma posição de poder. Depois pedimos que as pessoas utilizassem os lápis e o sulfite para desenharem a pessoa em que pensaram. Por último, pedimos que todos mostrassem os desenhos. A maioria das pessoas escolhidas eram mulheres brancas que ocupavam espaços de poder políticos ou acadêmicos. Apenas uma mulher negra pertencente à classe de poder “cultural” foi retratada.

Após as dinâmicas, iniciamos os debates com base na bibliografia indicada para o encontro. Os principais temas debatidos foram negritude, branquitude e autodeclaração.

Avaliação

Em primeiro lugar, o facilitador deve ter em mente que o tema gera desconforto entre os participantes. Lidar com esta situação delicada é seu maior desafio, de modo que conduzir as dinâmicas e debates levantando perguntas e sem uma transição brusca entre um momento e outro é essencial para que a discussão se dê da melhor forma possível. A dinâmica é tão melhor quanto os alunos se sentirem, na medida do possível, à vontade para compartilhar suas experiências e colocarem em questão suas concepções sobre raça, neutralidade e construções em torno da negritude.

O grupo, tendo assumido o papel de facilitador, ficou um pouco receoso de encaminhar as dinâmicas por conta da sensação de incômodo que os e as alunas demonstraram já na primeira dinâmica. Cientes de que é necessário discutir tal temática e felizes com o engajamento dos e das colegas, tentamos introduzir os temas de forma leve, mas pecamos ao não nos utilizarmos do desconforto para introduzir perguntas essenciais ao tema, tais como: “O que define nossa raça?” e “A autodeclaração tem limites?”.

Com base no feedback que recebemos, propomos algumas dicas para os facilitadores que adotarem nossa ideia: incentivem a utilização do “telefone sem fio” (combinado do DDD por meio do qual as falas devem estar interligadas, estimulando a escuta ativa e a interação entre os integrantes), iniciem e conduzam os debates com questões que podem surgir pela fala de algum dos participantes, e aproveitem a tensão gerada pela pergunta “como você se identifica?” para estruturar o encontro.

 

 

 

Formação: Ensino jurídico e primeiras proposições críticas

Formação: Ensino jurídico e primeiras proposições críticas

Danúbio, Mariana R., e Nádia

No segundo encontro do Núcleo Direito, Discriminação e Diversidade (DDD), ocorrido em 05/04/2016, abriu-se espaço para a reflexão sobre a temática do ensino jurídico e primeiras proposições críticas. Como subsídios iniciais para as discussões, foram utilizados os capítulos “Introdução” e “Trouxeste a chave? O desenho do curso” da obra “O instante do encontro: questões fundamentais para o ensino jurídico” de José Garcez Ghirardi e o capítulo “Notes toward racial and gender justice ally practice in legal academia”, de autoria de Dean Spade, integrante da obra “Presumed Incompetent: The Intersections of Race and Class for Women in Academia”, além do vídeo Slam Resistência – 02/2016 – Mariana Felix #1.

1. Objetivo do encontro

As escolhas realizadas na construção dos cursos jurídicos refletem posicionamentos específicos acerca do papel do ensino do direito, bem como da própria universidade como um todo. Em adição, entende-se que seguir um modelo tradicional de ensino, assim como recusá-lo ou alterá-lo decorre de uma escolha por parte do docente. Neste sentido, o encontro teve como objetivo discutir a sala de aula dos cursos jurídicos, não como um ambiente dominado pelo professor e por competição entre os alunos, mas como um espaço de construção colaborativa. Além disso, também integrou as discussões a questão da reprodução de opressão e manutenção do status quo no ambiente acadêmico do ensino do direito e mecanismos e métodos para estabelecer pensamento crítico e engajado em sala de aula.

2. Dinâmica

Com o intuito de promover a discussão da temática do encontro, foram elaboradas questões, posteriormente distribuídas em quatro grupos: um com questões gerais e mais abertas sobre o tema, outros dois com questões relacionadas às ideias desenvolvidas por José
Ghirardi e por Dean
respectivamente, e um grupo reunindo
questões que associavam as ideias de
ambos os autores. As questões foram
transcritas em fichas de quatro cores
diferentes, de acordo com o grupo ao qual pertenciam, ficando estas viradas sobre a mesa. A discussão iniciou por meio de uma pergunta-gatilho, previamente selecionada, e prosseguiu com a livre escolha de fichas pelos integrantes do DDD, os quais liam a questão proposta e traziam reflexões acerca dos textos ou relatos de experiências pessoais relacionados ao tema, abrindo, posteriormente, para contribuições dos demais colegas. A única condição era que, em cada rodada de discussão, deveria ser escolhida uma ficha de cada um dos quatro grupos, como forma de se obter um debate mais abrangente.

3. Temas debatidos e conclusões

As discussões da temática do encontro centraram-se em três grandes eixos: as escolhas docentes no ensino do direito que promovem a construção de novas formas de pensar o direito, as trajetórias de opressão ou privilégio no Ensino Superior – sobretudo no ambiente da sala de aula dos cursos jurídicos – e as contribuições que podem ser obtidas pelo diálogo entre o ensino jurídico e a sociedade.

O ensino do direito é tarefa política e as escolhas docentes refletem o posicionamento destes frente à função social do ensino superior. Nos cursos jurídicos, a manutenção ou transformação de estruturas e procedimentos resulta da posição que o docente se coloca neste processo. Assim, seguir, recusar ou alterar um modelo tradicional de ensino parte de uma escolha do docente, de acordo como este se investe enquanto sujeito do seu próprio curso e não como instrumento de um curso alheio. Discute-se muito

o como e o que ensinar, mas a questão central está no por que ensinar, qual o objetivo que se espera atingir.

No geral, as variações encontradas nos cursos jurídicos estão na escolha da bibliografia tratada em cada disciplina, com a repetição de uma mesma dinâmica de aula, como se a reflexão sobre como discutir o direito fosse um não problema. Contudo, entende-se que a construção da representação do que é e como funciona o direito se dá em grande medida no ambiente da sala de aula, sendo fundamental, por isso, a atuação do docente enquanto sujeito num processo de construção colaborativa com os alunos.

Em adição, é consenso que o ensino do direito deve necessariamente agregar métodos de combate à opressão, que tradicionalmente é reproduzida no ambiente acadêmico. Promover a discussão das estruturas de opressão no espaço da sala de aula é fundamental, mas não suficiente. É necessária a adoção de práticas que inibam a manifestação na opressão entre os próprios alunos, como, por exemplo, o estabelecimento de combinados que criem ambientes confortáveis para a adesão das alunas e alunos aos debates e a definição de critérios que possam efetivamente avaliar o corpo discente, considerando a sua diversidade. Além disso, entende-se que a promoção do combate à opressão no ensino do direito passa pela maior representatividade da diversidade social na própria composição do corpo docente e nos cargos de chefia e direção, de forma que a diversidade não fique presa a nichos específicos e seja verificada no ensino de todas as áreas do direito.

Para que o direito também possa ser instrumento de incentivo à transformação social, é fundamental, ainda, o diálogo entre o ensino do direito e os movimentos sociais, de forma a desenvolver lideranças que pertençam aos próprios movimentos e evitem que demandas fundamentais para a mudança social sejam emolduradas como demandas por igualdade formal ou mesmo como demandas que não estariam ao alcance do direito. Esse diálogo também deve contribuir na superação das dinâmicas que reproduzem a assimetria entre o eu-advogado e o outro-beneficiário, por meio da desconstrução do ideário do advogado herói e da análise crítica do efetivo potencial de mudança do direito.

4. Avaliação

Como combinado, ao final de cada encontro, é realizado feedback das atividades desenvolvidas. No caso da formação sobre o ensino jurídico e primeiras proposições críticas, os integrantes do DDD avaliaram positivamente a dinâmica promovida e a maneira como as discussões foram desenvolvidas pelo grupo. De maneira geral, apesar do pouco tempo para os debates, as questões escolhidas pelos participantes permitiram o diálogo entre as ideias trazidas pelos textos sugeridos e as experiências pessoais dos participantes, o que foi de grande valia para os objetivos do encontro.